domingo, 9 de setembro de 2012

O chamado do golfinho

Pesquisadores do câmpus de São Vicente vão ao estuário de Cananeia, no litoral sul do Estado, para entender como os ruídos produzidos pelos seres humanos estão modificando a comunicação destes cetáceos A reportagem é de Pablo Nogueira; Quem já tentou conversar em um ambiente barulhento (uma festa animada, por exemplo) sabe que a única forma de se fazer entender é ser ainda mais barulhento. E, no afã de falar mais alto, a voz sai mais fina. É uma forma inconsciente de diferenciá-la dos sons mais graves que circulam no recinto e facilitar a audição do interlocutor. Não é muito confortável, mas parece ser melhor do que simplesmente emudecer e abrir mão do anseio de ser compreendido, que é um dos fundamentos da sociabilidade humana. Nisso, os golfinhos e as baleias são como nós: absolutamente dependentes da comunicação como meio de estabelecer e vivenciar um rico repertório de interações sociais. Por meio de vocalizações, esses animais conseguem coordenar ataques a presas, atrair e cortejar parceiros sexuais, sinalizar sua posição para o grupo, expressar agressividade, interagir com filhotes, solicitar a presença de outros indivíduos ou meramente compartilhar seu estado emocional naquele momento. Mas, além do aspecto social, a vocalização e a audição dos cetáceos são fundamentais para explorar o ambiente, já que não podem confiar na visibilidade debaixo d’água. É vocalizando e escutando que eles se orientam espacialmente, estimam sua profundidade e sua distância da costa, diferenciam regiões mais rasas, nas quais há risco de encalhe, daquelas onde a navegação é mais segura. O estudo da relação dos animais marinhos com o ambiente por meio dos sons é chamado ecologia acústica. O problema é que as atividades humanas, como a navegação com barcos motorizados e a prospecção de petróleo em águas profundas, têm cada vez mais alterado o jeito acústico desses animais interagirem com seu meio. Os sinais disso estão aparecendo em pesquisas feitas nos últimos anos no hemisfério norte. Baleias-francas e orcas (estas últimas, na verdade, são golfinhos) da costa dos Estados Unidos e do Canadá estão mudando seus padrões de vocalização em virtude da crescente poluição sonora. Atento aos trabalhos feitos lá fora, o zoólogo Mário Rollo, professor do Câmpus Experimental do Litoral Paulista da Unesp, em São Vicente, está coordenando um levantamento pioneiro para investigar se o mesmo estaria ocorrendo com os animais da costa brasileira. Em julho, a reportagem de Unesp Ciência o acompanhou em uma coleta de dados em Cananeia, cidade colonial no sul do litoral paulista, a segunda mais antiga do Brasil. A pesquisa coordenada por Rollo tem como integrantes Rebecca Natal e Amanda Jodas, estudantes do curso de ciências biológicas da Unesp em São Vicente. Desde o início do ano elas têm feito visitas frequentes a Cananeia e Ubatuba para gravar os sons emitidos pelos golfinhos que vivem aos montes em ambos os lugares. A equipe usa a base de pesquisas que o Instituto Oceanográfico da USP mantém em Cananeia há mais de 50 anos. Mas há outros motivos para realizar o campo aqui. A cidade fica na confluência entre dois parques estaduais, o do Lagamar e o da Ilha do Cardoso. Os manguezais são abundantes na região. Constantemente lavado pelo mar, esse tipo de vegetação dá à água uma cor escura. A matéria vegetal serve de alimento para plânctons que, por sua vez, compõem a dieta de diversas espécies de peixes. Esses atraem uma rica fauna, tanto aquática quanto aérea. Em suma, a região é um santuário de preservação ambiental, tanto para plantas quanto para animais. O crescente número de visitantes, que percorrem os canais em embarcações de pequeno e médio porte, pode estar causando impactos na fauna. Rollo conta já ter visto barcos turísticos arremeterem em direção aos golfinhos – espantando-os, obviamente. A barca que liga Cananeia à Ilha do Cardoso funciona diariamente, gerando um forte ruído que pode ser ouvido mesmo de noite. Todos esses barulhos podem estar ocasionando um fenômeno conhecido como mascaramento. Rollo explica que o mascaramento ocorre quando o ruído das atividades humanas circula sob as águas e encobre os sons produzidos pelos animais. A fim de contornar o barulho, os animais agem como nós: modificam suas vocalizações, tornando-as mais potentes, e mudam a frequência em que são emitidas, deixando-as menos ou mais agudas. “Nossa hipótese é de que essas mudanças estão fazendo com que os golfinhos de Cananeia tenham de gastar mais energia em suas vocalizações do que os de Ubatuba, onde o fluxo de embarcações é menor”, diz o pesquisador. “É como se eles estivessem tendo que falar mais alto para se fazerem ouvir, devido ao ruído causado pelos humanos.” Fonte: UNESP - http://www2.unesp.br/revista/?p=5595

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