Em 2011 iniciou-se na Cidade Universitária da Universidade de São Paulo um polêmico conjunto de obras para o “Parque dos Museus” e o novo Centro de Convenções da Universidade. O local escolhido foi uma extensa mancha de vegetação abrigada próxima a Faculdade de Veterinária, o que provocou diversos protestos.
No local existia facilmente à vista dos passantes muitas árvores exóticas (de origem estrangeira) e muitas também invasoras, e isso foi usado como justificativa como atenuante para os cortes, como pode ser conferido nas matérias abaixo:
Esclarecimento sobre o corte de árvores no campus de SP
Corte de árvores no novo Centro de Convenções e Parque dos Museus – USP
O que não se sabia ou não se levou em consideração foi a existência de uma área nos fundos do terreno, e mais escondida da visão do público, que abrigava uma vegetação ancestral e praticamente extinta na cidade de São Paulo: os Campos-Cerrados. Essa formação nativa, de grande biodiversidade, já existiu em profusão na metrópole, a ponto de nomear bairros como “Campo Belo” e “Perdizes”, e principalmente a cidade nos seus primórdios, de “São Paulo dos Campos de Piratininga” em alusão a essa vegetação.
Embora estudada por importantes botânicos da USP como o professor da Politécnica Dr. Alfred Usteri em 1911 (personalidade que nomeou a 1° Reserva Municipal de Campos Cerrados de São Paulo no Jaguaré em 2010), pelo professor da Botânica da USP, Dr. Aylthon Brandão Joly no Butantã em 1950 (que nomeia um edifício na Botânica do ICB – USP) e pelo fundador do Jardim Botânico de São Paulo, Frederico Hoehne em 1925 no Ipiranga, foi desaparecendo do território da cidade e da vista de seus habitantes.
Recentemente, o “Livro Vermelho das Espécies Vegetais Ameaçadas do Estado de São Paulo” publicado pelo Instituto de Botânica em 2007 mostrou a importância dessa vegetação no trecho – “Os resultados obtidos evidenciam o destaque da região abrangida pelo município de São Paulo, tanto no que se refere à grande concentração de espécies ameaçadas em todas as categorias, quanto no que se refere à quantidade de espécies já extintas, … a intensa degradação ambiental que o município sofreu desde o período colonial, incluindo a remoção de florestas e a ocupação do solo de forma desordenada, com pouca ou nenhuma preocupação com a conservação dos ecossistemas naturais, especialmente os campos que, ainda hoje são negligenciados apesar de serem ecossistemas com flora particular e biodiversidade considerável.”
Descoberta a existência dessa rara vegetação em profusão nas margens da grande escavação, a Reitoria da Universidade foi alertada. Cientes do fato, e com ampla divulgação nos meios de comunicação como uma página inteira no Jornal O Estado de São Paulo, de domingo, 16 de outubro de 2011, não houve outra saída a não ser paralisar as obras e divulgar que a área seria preservada, com a criação de um “Museu Vivo do Cerrado na capital” nos entornos da obra que conservavam a vegetação.
A Coordenação de Gestão Ambiental da USP na ocasião afirmou ao jornal “ Vamos agora transplantar toda a vegetação de cerrado que ainda está na área das obras para as novas reservas que vamos criar nesse entorno”. A inauguração do “museu vivo” foi prometida para o dia 7 de dezembro de 2011, fato que não se cumpriu.
USP vai criar um “museu vivo” do cerrado na capital – O Estado de S. Paulo:
Jornal do Campus – USP:
A vegetação de cerrado que foi removida das obras para transplante não aguentou e a maioria perdeu-se, mas o entorno da obra continuou com as raríssimas plantas típicas dos antigos “Campos de Piratininga” e agora supostamente asseguradas pela criação do “Museu Vivo”. Nessa área a vegetação típica de Cerrado encontra-se em alguns trechos misturada com uma planta invasora nativa, a samambaia-do-campo, que pode ser facilmente manejada para o retorno dos Campos Cerrados típicos.
Em 2012 o Jornal USP Destaques, um boletim de imprensa da Reitoria da USP, trouxe uma notícia animadora: declarava através da portaria n° 5.648 de 05 de junho de 2012 assinada pelo Reitor João Grandino Rodas, a preservação de duas áreas no Campus da capital, uma área de 10.000 m² (supostamente os campos cerrados em volta da obra como prometido) e outra, de mesmo tamanho e próxima ao ICB com também campos-cerrados, como “…caráter de preservação permanente e destinadas apenas à conservação , restauração, pesquisa, extensão e ao ensino… denominadas Reservas Ecológicas da USP”.
USP Destaques – “USP declara mais de mil hectares de seus campi como reservas ecológicas”
Entretanto, não foi o que ocorreu nesse terreno. As obras prosseguiram e acabaram destruindo outras parcelas importantes de campos cerrados, incluindo uma (foto abaixo) com um excelente grau de conservação e que não encontrava semelhança a nenhuma outra área natural de campos-cerrados na malha urbana paulistana. Uma paisagem extinta – relíquia da história ambiental paulistana
Espécies de plantas nativas totalmente ligadas a história da cidade e que sobreviveram a poucas dezenas de exemplares na metrópole, como o arbusto frutífero araçá-do-campo, que nomeou o antigo “Caminho do Araçá” e depois “Cemitério do Araçá” e a língua-de-tucano, uma bela planta que o Padre Anchieta utilizava para fazer alparcatas, e muitas outras, começaram a sofrer diretamente o impacto das obras, e foram arrancadas ou esmagadas.
Para conhecer as plantas dessa vegetação, suas flores e frutos:
Em 2014 recebi de Daniel Caballero, um artista plástico que desde 2011 pesquisa e retrata a biodiversidade ancestral paulistana em suas obras, uma notícia inesperada para o prometido “museu vivo” da Universidade de São Paulo: que estavam destruindo com tratores os remanescentes dos campos-cerrados nos entornos da obra.
Indo recentemente ao local com Daniel Caballero o cenário foi assustador, ainda mais considerando o local do ocorrido. Cerca de 40% da vegetação “relíquia” de campos cerrados que haviam sobrevivido tinham sido totalmente arrasadas – tratoradas literalmente – e receberam o plantio de mudas de árvores em desenho geométrico (aparente e absurda “compensação ambiental” em cima de uma vegetação raríssima). Outra extensa parte virou o refeitório e chuveiros dos funcionários da obra. Perdeu-se para sempre espécies nativas e material genético únicos na cidade de São Paulo e não se sabe que destino terão os outros 60% da área de campos cerrados que restaram.
Acima, desenho de 2011 do artista Daniel Caballero retratando o aspecto dos campos cerrados da USP (ao fundo o vazio do buraco causado pela obra na época), que já foi exposto no MASP. Abaixo, o mesmo local retratado hoje, 2014, com um enorme barracão e aterro sobre a vegetação em extinção.
Na década de 1940, o Professor Aylthon Brandão Joly publicou em seu doutorado na USP um estudo dos “Campos do Butantã” (de onde a vegetação dos atuais entornos da obra são remanescentes) com várias fotos das espécies que considerou na época mais importantes e significativas. Não é coincidência que são as mesmas e atualmente raras espécies hoje totalmente esquecidas e largadas no canteiro de obras. Abaixo um comparativo com as fotos originais do Prof. Joly e as tiradas recentemente:
É fundamental que a atual gestão da Universidade de São Paulo - considerada a melhor instituição do Hemisfério Sul - tenha a sensibilidade de imediatamente cercar toda a área proposta e cumprir a promessa pública feita em 2011 de transformá-la em um “Museu Vivo” da História, Botânica e Cultura da cidade de São Paulo e também recuperar os trechos arrasados para a “compensação ambiental” e construção do galpão.
Ricardo Cardim
Fonte: http://arvoresdesaopaulo.wordpress.com/2014/05/29/usp-destroi-raro-cerrado-em-sao-paulo-que-havia-sido-prometido-museu-vivo-em-2011/?utm_medium=facebook&utm_source=twitterfeed
Nenhum comentário:
Postar um comentário