POR DANDARA TINOCO
Abrolhos
é um dos principais santuários de flora e fauna marinhos no território
brasileiro -
Terceiro / Enrico Marcovaldi
RIO
- O vilarejo de Regência, em Linhares (ES), jamais imaginou profecias tão
violentas para o encontro do Rio Doce com o mar. Com o rompimento de barragens
da Samarco em Mariana (MG), o temor de ambientalistas é que rejeitos de
minério, ao chegarem à região, arrasem um dos mais importantes ecossistemas do
Brasil: os recifes de corais de Abrolhos. Acostumados com ações de proteção a
golfinhos e tartarugas ameaçadas que vivem e se reproduzem apenas ali, eles
passaram a última semana numa força-tarefa. O esforço é para reduzir possíveis
impactos dos rejeitos nas mais de 500 espécies na área, entrada para o banco de
Abrolhos. Os recifes de corais — considerados “amazônias oceânicas” — estão bem
mais próximos que o arquipélago, a 221 quilômetros do estuário. Não é possível
dizer a que distância os resíduos serão levados, o que dependerá da posição de
mar e vento. Segundo boletim do Serviço Geológico do Brasil no sábado, a
chegada da água turva à barra está sendo reavaliada em razão de sua passagem
por reservatórios de usinas hidrelétricas.
— Não sabemos a magnitude do impacto, já que não temos
certeza sobre o que chegará. Se o padrão de impacto nas cabeceiras se mantiver,
será um arraso na fauna e na flora — prevê João Carlos Thomé, coordenador
nacional do Tamar/ICMBio. — Essa é uma das regiões com maior biodiversidade
marinha do Brasil. É o começo do banco de Abrolhos, onde há ressurgências, com
águas frias e ricas em nutrientes, com taxas de produtividade altíssimas.
Próximo
à foz, convivem jubartes, dourados, meros, raias mantas. É ali o limite Norte
no Brasil das toninhas, golfinho mais ameaçado do país. A região — considerada
pelo governo federal área prioritária de conservação — também é ponto
estratégico para sobrevivência de botos-cinza. O local é ainda o único ponto no
Atlântico Sul ocidental com concentração de desovas de tartaruga-de-couro,
espécie mais ameaçada de extinção no Brasil; e 2º maior ponto de concentração
de desova de tartaruga cabeçuda, assistidas por uma importante unidade do Tamar
em Regência.
Os répteis foram os primeiros alvos da força-tarefa de
ambientalistas. No fim da semana passada, duas dúzias de ninhos foram
deslocados de lugar. Na segunda, retroescavadeiras começaram a tentar reabrir a
passagem do rio para o mar, bloqueada por uma faixa de areia desde junho,
quando o Doce, devido à seca, não mais teve força para desaguar no mar. O temor
é que, com a passagem fechada, a lama fique retida no estuário, zona de
reprodução de espécies e cuja capacidade de absorção é muito menor que a do
oceano. Há técnicos mobilizados para, caso seja preciso, transferir peixes do
estuário para tanques em duas lagoas próximas.
— Nossa preocupação é com a possível contaminação da
foz com metais pesados e a mortalidade de animais aquáticos por onde a lama
passa. A quantidade de partículas em suspensão está asfixiando os bichos — diz
Antônio Serra de Almeida, gestor da Reserva Biológica de Comboios, a apenas um
quilômetro da foz.
Monitoramento na água feito pela prefeitura de Governador Valadares (MG)
indicou turbidez 80 mil vezes acima do tolerável na última terça. A quantidade
de ferro encontrada em amostras foi 13,6 mil vezes acima desse limite, e a de
alumínio, 6.500 vezes. Há previsões pessimistas também sobre a duração dos
danos.
— Qualquer coisa que sair dali (da foz) pode atingir
os recifes de corais de Abrolhos. Se a lama chegar a eles e impedi-los de
respirar, serão milhares de anos de recuperação — diz o professor da
Universidade Federal do Espírito Santo Agnaldo Martins.
Procurada, a Samarco — multada em R$ 250 milhões pelo
Ibama — diz que está executando sistema emergencial de monitoramento ambiental
e que contratou uma empresa para diagnosticar a área atingida e elaborar um
plano de recuperação.
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