O navio de pesquisas oceanográfico Professor W. Besnard não fará mais parte da paisagem do Porto de Santos e deve virar sucata. Ainda neste mês, a embarcação será desmontada. Os navios Alpha Crucis e Alpha Delphini continuarão o trabalho acadêmico desenvolvido pelo Instituto Oceanográfico (IO) da Universidade de São Paulo (USP) no cais santista. Uma despedida informal da embarcação será realizada amanhã, dia 16.
O navio dinamarquês seria doado ao Uruguai. A ideia era que, no país vizinho, o navio fosse totalmente reformado para ser reativado e auxiliar nas pesquisas acadêmicas locais. Depois do incêndio que a embarcação sofreu em 2008, sua navegabilidade ficou comprometida, assim como outras funções, tornando-a inoperante.
A doação permitiria, entre outras possibilidades, a reativação do navio, cuja permissão de navegar foi revogada pela Marinha do Brasil. A Autoridade Marítima baseia-se no incêndio, proveniente de um curto-circuito do ventilador de um dos camarotes da embarcação, capaz de receber 37 pessoas, sendo 15 pesquisadores e 22 tripulantes.
Com a chegada do Alpha Crucis, em 2012, e, no ano seguinte, do Alpha Delphini, o Professor W. Besnard, tradicional embarcação oceanográfica brasileira, ficou em completo desuso. A partir daí, iniciou-se um processo de deteriorização, na região dos armazéns 7 e 8.
A ideia era doar o navio, mas incêndio sofrido pela embarcação em 2008 comprometeu sua a navegabilidade
Diante de algumas destas dificuldades, o governo uruguaio desistiu do processo e abriu mão da embarcação. Dessa forma, o Conselho Universitário da USP aprovou, em 13 de outubro do ano passado, que os equipamentos fossem retirados do navio. Já a física será desmontada.
Com um orçamento anual inferior a R$ 1 milhão para a manutenção de todo o setor, a USP, inicialmente, optou pela doação que não foi concluída. De acordo com a universidade, são necessários cerca de R$ 22 mil reais mensais para a manutenção do Professor Besnard.
Foram cogitados outros planos para a embarcação. Entre eles, uma tentativa frustrada da Prefeitura de Santos em transformá-lo em um museu. Pelos custos que a Administração Municipal teria para mantê-lo flutuando, aventou-se a possibilidade em levar toda a estrutura para terra. No entanto, não houve viabilidades técnica e econômica para isso.
Estava nos planos, ainda, levá-lo para o Rio Amazonas para, após uma reforma, operar em águas abrigadas – o que não demandaria grande investimento. Foi discutido ainda um naufrágio controlado e planejado na costa de São Paulo, no intuito de fazer com que o navio se torna-se um recife artificial.
Despedida
Uma despedida informal do Professor Besnard será realizada no próximo dia 16, às 10h30, no cais do Armazém 8, onde ele está atracado. Na ocasião, o navio será enfeitado com flores doadas pelos convidados.
Para o comandante Waldir da Costa Freitas, que passou 35 anos a bordo da embarcação, o momento é de tristeza. “Estou decidido a não ir. Acho que esse navio deveria ter um outro destino. Esse de cortar o navio é triste. Esse navio é histórico e fez um trabalho muito importante. Colocou o Brasil com os pés na Antártica, que é uma região que nós dependemos muito e a maioria do povo não imagina essa utilidade. Nós não podemos conhecer o nosso clima, a nossa fauna, sem conhecer a Antártida. E nós fomos em seis expedições”.
O comandante defende que o navio seja transformado em uma estação meteoro-lógica. Outra possibilidade, na sua visão, é que a embarcação seja transformada em um museu.
O diretor de Relações Institucionais da Praticagem de São Paulo, o prático Fábio Mello Fontes, define o desmonte do Professor W. Besnard como “inglório”. Para ele, isso reflete o descaso das autoridades com o patrimônio histórico.
“Lamento profundamente este destino tão indigno para um navio que escreveu páginas tão importantes e incríveis da história de São Paulo. Se houvesse dignidade nesse Estado de São Paulo, este navio deveria ser cuidadosamente conservado como museu. Ele conta uma história maravilhosa de grandes feitos científicos para a cultura brasileira. Que vergonha. Estou triste”, afirmou o prático.
Procurado, o secretário de Assuntos Portuários e Marítimos de Santos, José Eduardo Lopes, preferiu não comentar o destino do navio de pesquisas oceanográfico.
Papel histórico
Pequeno, porém bravo e muito guerreiro. Esta é a definição do navio de pesquisas oceanográfico Professor W. Besnard por dois importantes tripulantes. Um deles é o comandante Waldir da Costa Freitas, que passou 35 anos a bordo, e o outro é o prático Fábio Mello Fontes, participante de três das seis expedições à Antártica.
A embarcação chegou ao Brasil, em 1967 e foi considerada, por muitos anos, o maior navio civil científico da América Latina. Atou no programa de Reconhecimento Global da Margem Continental Brasileira (Remac), entre 1972 e 1974. Neste período, foi possível coletar informações sobre as estruturas geológicas rasas e profundas, além da localização de áreas com potenciais para exploração de petróleo.
Já em 1982 iniciou seus trabalhos como o principal laboratório do Programa Antártico Brasileiro (Proantar). O navio seguiu para as águas geladas da Antártica, onde realizou seis expedições.
Água
Nas travessias, o navio de apoio Barão de Teffé, da Marinha do Brasil, garantia o reabastecimento de água potável a cada 15 dias, por conta da quantidade de passageiros. O Besnard levava 40 pessoas em suas expedições, sendo 23 tripulantes e 17 cientistas.
Os maiores apuros, segundo os tripulantes, foram nessas viagens. No trajeto, o mar é agitado e o vento ultrapassa 200 quilômetros por hora. Em caso de quedas no mar, a morte é quase instantânea: demora apenas três minutos. “Os problemas a bordo se agigantam. E na Antártica, ficam ainda maiores porque não há recursos”, destacou o comandante Freitas.
Problemas técnicos, condições meteorológicas desfavoráveis e até surtos de tripulantes, após longos períodos afastados de casa, eram problemas enfrentados a bordo do Professor Besnard. Em um desses casos, Fontes relembra uma pane que deixou a embarcação 24 horas à deriva, no estreito de Drake, que fica entre a América do Sul e a Antártida.
“A região é conhecida pelo mar agitado e pelo vento forte, eram ondas de quase 18 metros, com 200 metros de extensão, com o mar esbranquiçado. Mas Deus é tão brasileiro que o mar ficou calmo o tempo todo e a marinha chilena nos enviou a corveta Yelcho para reboque. Seguimos para Puerto Willians, o vilarejo mais ao sul do mundo, onde eu vi a água mais transparente da minha vida. Conseguíamos ver todo o casco do navio. No local, havia uma pista de pouso asfaltada e retornamos de Hércules da Força Aérea Brasileira”, relembrou o prático.
Tranquilidade
Para o comandante Freitas, os longos períodos a bordo do Professor Besnard o ensinaram a ser calmo. “Brinco que passei 50 anos, dos quais 35 nesse navio, andando a uma velocidade de 20 quilômetros por hora. Por que, agora, ser apressado? Quando tenho algum problema, durmo e depois penso na solução”.
Para Fontes, além do crescimento pessoal, o navio de pesquisas reuniu pesquisadores de diversas áreas, que deixaram um legado para a cultura e a história nacional. “Foi um local onde vivi momentos importantes da minha vida. Em todos esses anos no mar, o Professor Besnard reuniu especialistas e estudantes de oceanografia, física, biologia e muitas outras áreas. Fico feliz por ter participado em 1984, 1987 e 1988 dessas expedições”.
Fonte: Tribuna online/FERNANDA BALBINO
Fonte: https://www.portosenavios.com.br/noticias/portos-e-logistica/33252-navio-de-pesquisa-deixara-de-integrar-a-paisagem-do-porto-de-santos-este-ano
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