- terça-feira, 23 fevereiro 2016 22:45
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O golfinho baiji (Lipotes vexillifer) é o primeiro cetáceo fluvial considerado extinto no mundo. De ocorrência no rio Yangtze na China, foi visto oficialmente pela última vez em 2002. Em 2006, a fundação chinesa que leva o mesmo nome da espécie fez uma expedição por mais de três mil quilômetros, cobrindo toda extensão do rio Yangtze. Mesmo usando o máximo de requinte tecnológico, incluindo instrumentos ópticos e microfones subaquáticos, seus pesquisadores não conseguiram detectar qualquer sinal da presença do animal. Após esse esforço, a Fundação Baiji divulgou um relatório declarando a espécie “funcionalmente extinta”. Isso significa que podem ainda haver alguns indivíduos na natureza, mas essa população é tão pequena que não viabilizaria a sobrevivência da espécie.
O baiji é uma das quatro espécies de cetáceos fluviais existentes em todo mundo. Duas delas, o boto-cor-de-rosa (ou boto-vermelho) e o tucuxi ocorrem no Brasil, na Bacia Amazônica, podem seguir o mesmo fim.
Contribuíram para a provável extinção do Baiji a poluição dos rios devido ao avanço da agricultura próxima ao Rio Yangtze, atropelamentos por embarcações de pesca, redução de habitat causada pelas inúmeras barragens e portos ao longo do rio e pela sobrepesca, especialmente a pesca elétrica. A técnica simples e barata funciona com a aplicação de uma corrente elétrica na água que leva os cetáceos próximos a sofrerem convulsões. A proximidade da corrente os atordoa e, em seguida, os pescadores os mantêm fora d’água para asfixiá-los. Estima-se que este abate foi responsável por 40% da perda de baijis durante os anos 90.
Por fim, na cultura chinesa, os baijis são considerados representantes da bondade e da pureza, mas isso não impediu famílias ricas de pagar caro para vestir luvas e usar bolsas feitas com o couro do animal, outro dos golpes derradeiros para o extermínio da espécie.
Qualquer semelhança é uma terrível coincidência
Como o baiji, no Brasil, o boto-cor-de-rosa ou o boto-vermelho (Inia geofrensis) também é uma espécie carismática e cercada de histórias folclóricas, e do mesmo modo está sob pressões que a ameaçam.
No passado, o maior impacto sobre o boto-cor-de-rosa era a caça para extração de óleo e unguentos medicinais. Porém, hoje, existe o risco da poluição química cada vez maior nos rios da bacia Amazônica. Em paralelo, aumentaram os índices de atropelamentos por embarcações, de encalhes, capturas acidentais por redes de pesca, e afogamentos/sufocamentos causados por ingestão de lixo. Os botos também sofrem com o número cada vez maior de barragens nos rios e, se isso tudo não bastasse, crendices e fetiches sem sentido fomentam um comércio da genitália, dentes e olhos do animal.
A pesca do boto é proibida deste 1967, mas as populações tradicionais a continuam praticando para consumo direto e complemento de renda, através da venda da sua carne para uso como isca na pesca da piracatinga (Calophysus macropterus). O uso como isca causa o maior impacto sobre os botos, pois a piracatinga é um bagre amazônico muito consumido nas mesas colombianas e japonesas, onde costuma ser comercializado, enganosamente, como pescadinha. Os frigoríficos do norte do Brasil compram toneladas de bagres destinados à exportação, mesmo sabendo dos métodos ilegais utilizados na pesca.
Reforços na conservação do boto
Em 2011, o ICMBio publicou o Plano de Ação Nacional (PAN) para Conservação de Mamíferos Aquáticos e Pequenos Cetáceos. Ele previa 15 ações apenas para os botos-cor-de-rosa, 9 de alta prioridade e 6 de média prioridade, entre elas o controle do comércio estadual e internacional da piracatinga.
Em 17 de julho de 2014 foi publicada a Instrução Normativa Interministerial Nº 6 – fruto das ações do PAN --, celebrada entre o Ministério do Meio Ambiente e Ministério da Pesca. Ela foi um avanço ao estabelecer pelo prazo de cinco anos a moratória da pesca e comercialização da piracatinga, junto com a proibição do transbordo, desembarque, armazenamento, transporte, beneficiamento e a comercialização da piracatinga em águas jurisdicionais brasileiras e em todo o território nacional.
Ficou de fora a proibição da pesca de subsistência, que trata da captura e transporte de até 5 kg da piracatinga, com o fim exclusivo de alimentação do pescador e família.
A construção de um turismo sustentável
Outra conquista do PAN foi regulamentar, em 2012, o turismo de atividades de interação com os botos-cor-de-rosa, como ocorreu no Parque Nacional de Anavilhanas. Antes da medida, a interação entre habitantes locais e turistas com os botos acontecia sem controle.
Dona do flutuante localizado na praia da cidade de Novo Airão, Marisa Grangeiro de Almeida, comemora 20 anos de contato com os botos-cor-de-rosa. A primeira interação ocorreu quando era criança e se banhava no Rio Negro e um boto surgiu. Ela diz que nem nesta vez se assustou.
Hoje, Marisa gerencia o seu flutuante, base para um turismo regulado de interação com os botos, que divulga a espécie e a cidade de Novo Airão para o mundo. Os turistas assistem a uma pessoa treinada alimentar os botos e podem nadar próximos a eles. A atividade é recomendada pelo próprio ICMBio.
Marisa conta que antes de haver regras qualquer pessoa que chegasse à praia podia comprar peixes e alimentar os botos locais. Os animais estavam se tornando obesos e as pessoas tentavam montá-los à força. Havia agressões, como enfiar palitos de picolé nos orifício respiratório e até quem desse bebidas alcóolicas.
Agora, o turismo de interação com os botos gera renda para a população local, pois atrai turistas brasileiros e de países variados a Novo Airão. Eles movimentam hotéis, pousadas, restaurantes e agências turísticas. As regras incluem horários rigorosos de visitação e limitam a quantidade de peixe por dia dada a cada animal, que são alimentados por uma pessoa treinada do flutuante, e não o turista. A área é demarcada com boias para proteger os botos de embarcações e cada grupo de visitantes assiste uma apresentação sobre as duas espécies locais: o boto-cor-de-rosa e o tucuxi.
A vantagem amazônica do boto
Entretanto, apesar da moratória da piracatinga e da ordenação do turismo, o PAN estima que haverá uma redução de 50% na população de botos-cor-de-rosa nas próximas três gerações, o equivalente a 30 anos. Tal estimativa levou recentemente o ICMBio a classificar no Brasil a espécie na categoria “em perigo”. Isso significa que as melhores evidências disponíveis indicam que a espécie enfrenta riscos altos de extinção na natureza. A IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza) considera que faltam informações para chegar a essa conclusão e classificou a espécie na categoria “Dados Insuficientes”.
Apesar das pressões semelhantes, o boto-cor-de-rosa tem um fator a seu favor em comparação ao baiji: ele ocorre em uma área com alguns milhões de quilômetros quadrados a mais, devido às gigantescas dimensões da Bacia Amazônica.
Em 2016, o PAN será reavaliado. Uma ação essencial ainda não realizada é obter um acordo entre Brasil e Colômbia – bem como outros países da América Latina -- para proibir o comércio da piracatinga.
É necessário que todos os órgãos ambientais, organizações não governamentais e internacionais trabalhem, comuniquem-se e se apoiem a fim de salvaguardar o boto-cor-de-rosa. Se não for assim, ele corre o risco de ser o próximo baiji.
Vídeo: Interação com os botos no flutuante de Anavilhanas
Fonte: http://www.oeco.org.br/reportagens/o-futuro-do-boto-cor-de-rosa-e-as-licoes-aprendidas-na-tragedia-do-baiji/
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