segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Falcoaria a serviço da preservação

“Quando se fala em falcoaria a gente pensa primeiramente no falcoeiro com a ave em punho caçando animal. Isso no Brasil não existe, pelo menos não dentro da lei, onde a caça é proibida. Então, aqui, a falcoaria está ligada principalmente no controle de fauna, seja em aeroporto ou na agricultura, e também na reabilitação de aves machucadas” explica Willian Menq, ornitólogo e especialista em aves de rapina. Seja no controle de fauna em aeroportos e agricultura, seja na reabilitação de aves machucadas - possível graças a convênios firmados com o Ibama e em atividades envolvendo educação ambiental em escolas e eventos - o modo como a falcoaria é praticada no país tem tudo para ser considerado ambientalmente correto. Adestrar uma ave não é tarefa simples e é exatamente a dificuldade que afasta eventuais modistas. Custo elevado - não se compra uma ave de rapina por menos de 900 reais - e dedicação investida no adestramento da ave, além da necessidade de ter acesso a um veterinário especializado é apenas parte das preocupações do falcoeiro. Ser falcoeiro é quase um sacerdócio. A alimentação das principais aves usadas na falcoaria, por exemplo, tem como base codornas e camundongos. Os próprios falcoeiros abatem a presa. Treinar a ave para conseguir seu próprio alimento não é permitido por lei, pois seria considerado caça. Reabilitação de aves Uma ninhada com 4 filhotinhos da coruja-da-igreja (Tyto Alba) foi encontrada em cima do telhado de uma casa que estava sendo reformada, em 2008. Os filhotes, com aproximadamente 15 centímetros de altura e 20 dias de vida, foram levados para o IBAMA/MG, que os deixou aos cuidados dos membros da Associação Mineira de Falcoaria (AMF). João Paulo de Oliveira Santos diretor técnico da ABFPAR e falcoeiro há 8 anos, cuidou da ave por 6 meses, até a coruja, conhecida por sua habilidade em caçar ratos, estivesse condições de ser reintroduzida na natureza. O custeio pela manutenção das aves em reabilitação é todo feito pelo próprio falcoeiro. Na maioria dos casos, se não fossem convênios com o Ibama, a maioria dessas aves seriam sacrificadas. Ao longo da história, conservacionistas usaram técnicas da falcoaria para reabilitar e até salvar da extinção espécies criticamente ameaçadas. Um dos casos mais emblemáticos envolve o falcão da ilha Maurício, Falco punctatus, uma espécie endêmica daquele arquipélago. Em coluna publicada aqui em ((o)) Eco, Fernando Fernandez conta em detalhes a recuperação dessa espécie pelo biólogo Carl Jones. Reprodução em cativeiro e treinamento das aves de rapina foram as técnicas usadas pelo biólogo na reintrodução da espécie na natureza. Deu certo. Hoje, o Falco punctatus saiu de criticamente ameaçado para vulnerável, segundo avaliação da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, em inglês). Controle de fauna em aeroportos Os aeroportos e setores da agricultura contratam falcoeiros para fazer o controle de pragas usando as aves de caça. Os contratos nos aeroportos são feitos por licitação. Nos 66 aeroportos do país controlados pela Infraero 2 aeroportos utilizam a falcoaria no manejo de fauna: o Aeroporto Internacional de Porto Alegre/Salgado Filho (RS) e Aeroporto de Belo Horizonte/Pampulha (MG). Segundo a assessoria de imprensa da Infraero, outros três aeroportos já iniciaram o processo para contratação de empresas para esse trabalho: Aeroporto de Vitória/Eurico de Aguiar Salles (ES), Aeroporto Internacional de Confins/Tancredo Neves (MG) e Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro/Galeão - Antonio Carlos Jobim (RJ). Esses 5 aeroportos que utilizam ou utilizarão aves de rapina para controle de espécies problemas não representa o universo dos aeroportos do Brasil, já que são mais de 719 aeroportos públicos e 1918 aeródromos privados. Funciona assim: um aeroporto está com problemas de excesso de aves perto da pista de decolagem: pombos, urubus, garças, socós, biguás, maçaricos, quero-queros, perdizes entre outros. De acordo com o plano de manejo, o falcoeiro é contratado para “espantar” e capturar essas espécies que estão causando acidentes. Só no ano passado, foram mais de 1370 colisões com pássaros nos aeroportos do país, segundo dados do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA). As empresas contratadas têm permissão de abate emitido pelo Ibama, porém elas evitam que isso seja feito. Normalmente, as aves de rapina não matam suas presas: “Em todos os aeroportos após a captura é feita uma "troca", essa troca é feita por um pedaço de codorna onde o rapinante é recompensado por sua captura”, explica Milton Mello, que também trabalha no controle de fauna em aeroportos como Salgado Filho - RS, Galeão - RJ e em Fernando de Noronha – PE. Ainda de acordo com o plano de manejo dos aeroportos, essas aves capturadas são remanejadas para outros lugares, onde não ofereçam riscos, ou mandadas para serem eutanasiadas. Foi o que aconteceu no aeroporto de Fernando de Noronha. Em 20 anos, as garças-vaqueiras (Bubulcus ibis), uma espécie vindo da África, vieram para o arquipélago e se estabeleceram. O perigo que representam vai além do choque com os aviões. Vorazes, as garças estavam causando desequilíbrio ambiental ao se alimentar de espécies edêmicas da ilha, como o lagarto mabuias e expulsar outras aves nativas da região. Para reestabelecer o equilíbrio e principalmente acabar com as colisões entre a garça e as aeronaves, uma empresa foi contratada para fazer o controle de fauna com gaviões. Falcoeiros com suas aves em punho começaram a trabalhar. As aves foram capturadas vivas e eutanasiadas. “Além do aumento populacional da garça na ilha, já que não havia predadores, e do risco a aviação, elas também estavam transmitindo salmonela. Então, motivos não faltavam para tirar a garça-vaqueira da ilha. Pelo simples fato de ser uma espécie exótica já seria suficiente, fora esses problemas que ela estava causando. Então, uma empresa foi contratada para capturar essas garças-vaqueiras da ilha. Eles já tinham tentando outras técnicas, como captura direta, e não deu certo. A esperança deles veio com a falcoaria [...]. Logo no primeiro mês de trabalho, foram capturadas 170 garças com a falcoaria. Sendo que a população estimada na ilha é de 800 a mil garças-vaqueiras. Em poucos meses, pelo menos 60% das garças-vaqueiras já foram capturadas com o gavião. É um número impressionante, quando a falcoaria foi usada para salvar a biodiversidade de uma ilha” analisa o ornitólogo Wenq, autor do site Aves de Rapina no Brasil. Educação ambiental “Durante a semana somos pessoas 'normais'. Logo pela manhã vamos checar as aves, olhamos as fezes, pesamos e separamos os alimentos do dia. No final de semana bem cedo vamos para o campo [...]. Escolas, igrejas associações, geralmente são essas entidades que nos procuram. Não cobramos nada, pedimos para realizarem em nosso nome algum tipo de doação, comida, roupa para qualquer instituição beneficente” comenta João Paulo, membro da BH Hawking Club. A polêmica da lista PET No Brasil, não é proibido ter uma ave de rapina. Elas podem ser compradas dos poucos criadores autorizados pelo Ibama. De modo geral, a criação em cativeiro para comercialização é um assunto polêmico entre os ambientalistas. Alguns são categoricamente contra, outros a favor. As diferenças de opinião também refletem na política interna do próprio Ibama, que desde 2008 elabora a “lista PET” de animais silvestres passíveis de serem comercializados. A lista, que segue a Normativa 169 do Conama, seria originalmente elaborada em um prazo de seis meses, mas até hoje não foi publicada. A polêmica com a lista foi tratada em O Eco, com uma matéria de Jaqueline Ramos. “Há alguns que acham que a lista deveria ser a mais completa possível, outros que só deveria entrar pouquíssimos animais”, afirma Leo Tatsuji Fukui, um dos fundadores da Associação Brasileira de Falcoeiros e Preservação de Aves de Rapina e criador comercial de aves de rapina. Fukui tem sua licença de criação desde 2005. É um dos três criadores que abastecem legalmente o mercado de aves de rapina no Brasil. Foi o trabalho na reabilitação das aves que o fez virar um criador profissional. Algumas aves reabilitadas simplesmente não poderiam ser reintroduzidas na natureza, mas eram saudáveis para reprodução em cativeiro. O Ibama autorizou e hoje no criadouro há 16 matrizes, aves criadas para a reprodução. Ele só pode comercializar os filhotes, as matrizes pertencem à União. A ausência de definição da Lista PET limita a aquisição de outras aves ou a ampliação do negócio. “Há criadouros já montados à espera da autorização do Ibama para começar a funcionar” informa Fukui. O argumento usado pelos criadores é que a falta de definição da lista acaba favorecendo o tráfico de animais silvestres. Outro argumento é o serviço de proteção à biodiversidade que os criadouros profissionais podem fazer, já que são pessoas especializadas em reprodução em cativeiro, conhecimento essencial para a preservação de animais em risco de extinção. Caso alguma ave de rapina entre em extinção, o que não é o caso atual, pelo menos entre as aves comercializadas, esse serviço poderia ser prestado. “Muitas vezes o resultado obtido por um criadouro comercial é bem mais relevante que alguns projetos de conservação, que por falta de conhecimento técnico não conseguem obter a reprodução em cativeiro”, argumenta Fukui. As aves mais comercializadas no país são o gavião-asa-de-telha e o falcão-de-coleira. À espera de uma legislação que regulamente a falcoaria, os falcoeiros seguem trabalhando diariamente com suas aves e cuidando de outras através de convênios com o Ibama ou fazendo controle de pragas tanto em aeroportos quanto em silos de armazenamento de alimentos. Segundo a definição dada em 2010 pela Unesco ao chancelar a atividade como Patrimônio Imaterial da Humanidade, a falcoaria “originalmente uma forma de obtenção de alimentos, é hoje identificada com camaradagem e partilha, em vez de subsistência”. Fonte: http://www.oeco.com.br/reportagens/26430-falcoaria-a-servico-da-preservacao

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