“O que conta na vida não é o mero fato de termos vivido. A diferença que fizemos na vida de outras pessoas determinará a importância da vida que levamos”, discurso de Nelson Mandela na comemoração do nonagésimo aniversário de Walter Sisulu, em Johanesburgo, África do Sul, 2002.
Nelson Mandela nunca foi de fato um prisioneiro. Na verdade, sempre foi um homem livre. E agora, para sempre. Como um sul-africano, um companheiro da luta para libertar a minha pátria do mal do apartheid, e um cidadão do mundo, meu coração está pesado hoje. Esta perda deveria ser esperada, mas mesmo assim continua sendo difícil de encará-la e suportá-la.
O mundo perdeu um verdadeiro líder, um verdadeiro pai e uma verdadeira inspiração. Dizer que Mandela viveu uma vida repleta de significado está longe de fazer justiça ao que este homem realmente foi – ele deixa um profundo legado de esperança em um mundo que ainda está repleto de injustiça e inequidade. A inspiração de Mandela permanecerá em meu coração e nos corações das pessoas em todo o mundo.
Meus pensamentos e rezas estão com sua família e amigos neste momento difícil. O mundo todo suspirou com esta notícia e está de luto. Este é um momento para reflexão e para calma contemplação de uma vida que foi bem vivida, por um homem que foi bem amado.
Eu tinha 15 anos de idade quando ouvi o nome Mandela, ou Madiba como ele é mais conhecido na África, pela primeira vez. No apartheid da África do Sul, ele era o inimigo público número 1.
Envolto em segredos, mitos e rumores, a mídia o chamava de “The Black Pimpernel” – em português, a Anagálide Negra. Isso porque ele era capaz de escapar dos policiais usando vários disfarces – seu preferido era o de motorista – até que a CIA (Agência de Inteligência Norte-americana) decidiu cooperar com o regime do apartheid para garantir sua captura.
Em Durban, onde eu nasci e cresci, e em toda a África, ele era um herói! Agora, ele é um herói para o mundo. “Educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo”, ele afirmou na Universidade de Witwatersrand, em 2003.
Pensando em como ele moldou minha juventude ativista, durante o regime do apartheid foi a primeira vez em que participei ativamente de um protesto contra a desigualdade na educação. Eu lutei contra o apartheid na educação e me lembro da primeira vez em que eu e meus amigos ouvimos sobre a campanha “Libertem Mandela”.
Madiba, a forma como frequentemente nos referimos à ele, era censurado pela mídia uma vez que suas idéias aterrorizavam os oficiais de estado. Desde então, Madiba se tornou uma grande fonte de inspiração para mim, e quando ele disse, “a luta é a minha vida”, eu entendi o quão poderosas e verdadeiras suas palavras realmente eram.
Estas palavras inspiraram a mim e a muitos companheiros ativistas que lutaram contra a brutalidade do regime do apartheid. Para mim, assim como para muitos amigos antigos, aquilo se tornou minha vida: uma vida difícil, mas repleta de alegrias.
Eu tive o privilégio de encontrar Madiba muitas vezes, e me considero extremamente sortudo por isso. Eu o conheci quando eu estava com quase 30 anos, em 1993. Eu ajudei a organizar um grupo de trabalho no Congresso Nacional Africano que criaria seu plano de comunicação.
Para alguém que raramente perde as palavras como eu, eu fiquei em choque, envergonhado, e mal conseguia pronunciar uma frase quando Madiba apertou minha mão: “É uma honra conhecê-lo, Madiba”, eu disse. E não consegui falar mais nenhuma palavra depois disso. Ele tinha uma presença enorme, que mesmo assim permanecia simples e não era pretensiosa.
Depois do almoço, ele perguntou ao gerente do hotel no qual o Congresso estava acontecendo, se ele poderia agradecer aos trabalhadores que haviam providenciado a comida. Ele foi para a cozinha e agradeceu um por um. Eu o segui e pude ver que ele apertou a mão de cada um deles, um gesto simples e honesto de apreciação que significou muito para todos eles.
Em 1995, eu o encontrei novamente quando eu estava liderando a Campanha de Alfabetização de Adultos na África do Sul. No dia internacional da Alfabetização, eu levei crianças e adultos que estavam estudando para encontrarem Madiba no Parlamento.
Eles estavam muito animados porque iam tirar uma foto com ele e ao mesmo tempo muito ansiosos – essa imagem se tornou mais tarde um poster para a nossa campanha que promovia educação básica aos adultos.Eles não paravam de me perguntar o que eles deveriam dizer e como deveriam se comportar durante a reunião com o presidente. Muitos deles haviam preparado suas frases e planejado como agradeceriam Madiba por ter arranjado tempo para nos ver.
Mas quando Madiba saiu de sua reunião de gabinete, ele nos surpreendeu. Ele andou na direção de cada um e agradeceu cada um de nós por termos tido tempo de encontrá-lo. “Eu sei o quão ocupados vocês todos são e eu agradeço por usarem parte de seu tempo para me encontrar”, ele disse. Naquele exato momento, ele conseguiu acabar com toda a distância que existia entre ele e nós. Ele era apenas um ser humano, uma pessoa como cada um daqueles que tinha ido visitá-lo, e todos relaxaram. É uma pessoa que nunca esqueceu seu lado humano e simples. Sua tenacidade, resolução e sua vontade de perdoar eram mais do que humanas e me deram força e me ensinaram lições importantes sobre determinação e perseverança.
Madiba disse uma vez que a luta por justiça não é um concurso de popularidade. A verdade é que esta luta nem sempre é popular, e seu exemplo ajudou a mim e a milhares de outras pessoas a serem mais resilientes. Madiba acreditava que a injustiça continuaria existindo a menos que homens e mulheres decentes dissessem: “basta, é suficiente, não queremos mais”.
Ele declarou: “Eu lutei contra a dominação branca e lutei contra a dominação negra. Promovi o ideal de uma sociedade democrática e livre na qual todas as pessoas possam viver em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal que espero viver mas, se necessário for, é um ideal pelo qual estou preparado para morrer”. (conclusão de seu discurso durante seu julgamento, em 1964, em que foi acusado de sabotagem e traição).
Hoje, o céu estará mais colorido e alegre do que normalmente. Madiba usará uma de suas camisetas que todos conhecem, ainda queimando com a paixão e a sabedoria que foram cultivadas em meio à injustiça, adversidades e afinadas na vitória. Ele estará olhando para todos nós – pessoas em qualquer lugar do mundo, querendo que continuemos avançando, sabendo que o impossível é alcançável se formos honestos e verdadeiros para nós mesmos.
Descanse em paz, Madiba, com a nossa eterna gratidão, você mais do que merecia descansar!
Hamba Kahle, Madiba. Ngiyabonga kakhulu. (Descanse em paz, Madiba. Obrigada por tudo).
* Kumi Naidoo é diretor-executivo do Greenpeace Internacional.
** Publicado originalmente no site Greenpeace.
(Greenpeace)
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