Daniele Bragança
A morte do policial Pedro Luiz Souza Gomes, soldado da Força Nacional de Segurança, durante confronto com invasores da Floresta Nacional do Bom Futuro, em Rondônia, expôs a fragilidade da questão fundiária na região, que sofre com grilagem desde os anos 90. Em outubro do ano passado, a Justiça já havia determinado a desocupação imediata da área protegida.
O plano de desocupação previa a chamada sensibilização dos ocupantes e a execução da ordem de remoção das pessoas. Assim foi feito, porém a Bom Futuro sofreu nova invasão, detectada durante fiscalização no final do mês passado.
Nos dias 13 e 14 deste mês, armados com pedras, foices e facas, os manifestantes conseguiram frear a operação de reintegração de posse na Floresta Nacional. No conflito, foi morto o soldado da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul, Pedro Luiz. Em seguida, os invasores deixaram o local por medo de represália. Pedro havia sido cedido há 2 meses à Força Nacional.
“Sobrevoamos o local e não encontramos ninguém, mas isso não descarta a possibilidade de estarem escondidos na mata”, explica Ronilson Vasconcelos, chefe de unidade de conservação na Floresta Nacional de Bom Futuro, em entrevista a ((o))eco por telefone.
A operação para evitar a ocupação de grileiros continua. Policiais militares estão patrulhando a Vila Pardo, local que já pertenceu à Floresta Nacional de Bom Futuro e foi desafetada em 2010, após anos de ocupação irregular e desmatamento.
Redução, ocupação e conflito
Tudo começou no dia 01 de novembro. Após denúncia de nova invasão, uma equipe formada por 2 fiscais e 9 policiais foi surpreendida por um grupo de cerca de 40 homens armados de foices e pedras. Em menor número, os fiscais negociaram a saída e se retiraram. Os invasores permaneceram na área.Criada em 1988 com 288 mil hectares, a unidade passou anos só existindo no papel. Em 2010, perdeu 65% de seu território, do qual restou 97 mil hectares. Foi na Vila Pardo, com cerca de 7 mil moradores, que aconteceu o confronto que resultou na morte do policial Pedro Luiz, no dia 14 de novembro.
“Numa total inversão de valores, quem teve que sair foi o poder público”, explica Ronilson.
Após o incidente, criou-se um comitê gestor de crise, formado por membros da Secretaria de Segurança Publica de Rondônia, ICMBio, IBAMA, Polícia Federal, Exército e Força Nacional. O comitê decidiu pela retirada dos novos invasores da área e lançou uma nova ofensiva.
A área foi sobrevoada por um helicóptero do Ibama, na terça-feira (12). Constatou-se um acampamento de cerca de 20 barracos de lona e um grupo entre 60 e 100 pessoas no local.
No dia seguinte (13), a equipe de fiscalização chegou ao local dentro da Floresta Nacional para desocupá-la. Eram 3 equipes formadas por 77 homens -- sendo 8 servidores do ICMBio, 4 servidores IBAMA, 8 Policiais Federais, 13 Policiais da Força Nacional, 14 Policiais da Policia Militar Ambiental de Rondônia, 2 Policiais da Policia Militar de Rondônia, 2 Bombeiros Militares de Rondônia e 26 Policiais da Companhia de Operações Especial de Rondônia/COE.
Os invasores se recusaram a sair e o clima esquentou. A polícia deteve 10 invasores e apreendeu 18 motocicletas. Os acampamentos provisórios de lona foram destruídos. A prisão e a apreensão das motos aumentou a tensão.
A tentativa da polícia de levar os detidos e as motos revoltou os invasores, que revidaram. De acordo com os policiais, eles obstruíram a estrada usando árvores e pedaços de madeira com pregos camuflados em poços de lama. Pontes foram destruídas. “Nos deparamos com barricadas de madeira em chamas e um grupo de aproximadamente 200 pessoas extremamente agressivas exigindo a soltura dos detidos, entrega das motocicletas e que a equipe não retornasse ao interior da Unidade de conservação”, detalha Ronilson. Mesmo com a tentativa de bloqueio, todos os detidos e as motocicletas apreendidas foram encaminhadas à delegacia de polícia, em Porto Velho.
Enquanto a equipe seguia de carro, 2 policiais da Companhia de Operações Especiais de Rondônia foram monitorar os pontos de obstrução da estrada de motocicleta. No meio do caminho, cruzaram com um grupo de aproximadamente 25 invasores. Foram agredidos. “Um dos policiais atirou na perna de um dos invasores, que foi socorrido por uma viatura de resgate do Corpo de Bombeiros Militares de RO, que compunha nossa equipe”, disse Ronilson .
Quase ao mesmo tempo, manifestantes atacaram uma base provisória de apoio logístico, instalada fora da Floresta Nacional. No local havia uma van, um caminhão e a viatura de resgate do Corpo dos Bombeiros. Um grupo formado por 25 pessoas colocou fogo no caminhão. Um policial foi perseguido com armas brancas e o outro foi atingido por um coquetel molotov. Os militares conseguiram fugir na van.
“Os policiais que estavam no quartel foram resgatados por colegas da Companhia de Operações Especiais. Às 5h30 da quinta-feira é que todas as equipes conseguiram voltar a base da Floresta Nacional e depois para Porto Velho”, explica Ronilson Vasconcelos, dessa vez por email.
Antes, a equipe da Força Nacional, composta por 20 policiais, foi acionada para dar apoio ao grupo que estava fazendo a desocupação e que ficou encurralado. A Força Nacional seguia para a Floresta Nacional de Bom Futuro quando recebeu ordens para retornar, pois a equipe principal já tinha conseguido chegar à base. Ao passar pela Vila de Rio Pardo, houve confronto. Por volta de meio-dia o policial Pedro Luiz Souza Gomes levou o tiro que o matou.
“Sinceramente, não acredito que o grupo de pessoas que atacou nossa equipe seja constituído de agricultores e trabalhadores. Eles agiram como um grupo criminoso que emprega táticas de guerrilha e que despreza a sociedade e suas leis” disse Ronilson.
Para o chefe da Flona, a nova invasão aconteceu por boatos envolvendo o loteamento da unidade de conservação: “Os que foram presos relataram que estavam lá para tentar conseguir terras, uma vez que, nas cidades vizinhas à Floresta Nacional do Bom Futuro, estava sendo divulgado por terceiros que as terras da Unidade de Conservação seriam loteadas e distribuídas”, explica.
Floresta Nacional de Bom Futuro
Localizada há 180 quilômetros de Porto Velho, capital de Rondônia, a Floresta Nacional de Bom Futuro é um exemplo de Unidade de Conservação "de papel". Ela ainda não tem Plano de Manejo, apesar de ter sido criada há 25 anos.
Dispõe de 2 servidores para cuidar da área. O conselho consultivo está em fase de formação. “Continuamos com a intenção de formá-lo tão logo tenhamos passado essa problemática atual. Temos recursos de compensação ambiental a serem disponibilizados para a implementação da UC e planos para a recuperação das áreas degradadas (cerca de 13% dos seus quase 97 mil hectares)”, conclui Ronilson.
O governo retirou dos limites da Floresta Nacional às áreas degradadas onde já havia propriedades. Não foi o suficiente para manter a integridade da Floresta Nacional: novas invasões ocorreram seguidas de operações de reintegração.
Apesar do desfecho trágico do dia 14 e das sucessivas invasões, a equipe do ICMBio mantém a esperança de que a Floresta cumpra sua vocação: “Por mais que eu possa parecer um sonhador, a Floresta Nacional do Bom Futuro tem sim possibilidades de fazer jus ao seu nome”, afirma.
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