Cientistas detectam novas consequências da mudança climática na estressada agricultura cubana, que não consegue decolar.
Havana, Cuba, 23 de setembro de 2013 (Terramérica).- O aumento da temperatura média altera a fisiologia de algumas plantas, uma mudança menos perceptível do que um furacão, mas igualmente prejudicial para a produção de alimentos. Em espécies tropicais da família Cucurbitaceae, “como abóbora e pepino”, a polinização é interrompida se há mais calor do que o de costume no momento da floração, explicou ao Terramérica o engenheiro agrônomo cubano Sergio Rodríguez.
Quando a flor feminina da abóbora está apta para ser fecundada, apresenta uma substância açucarada e úmida à qual adere o pólen da flor masculina, levado pela abelha. O calor mais forte seca essa substância, impedindo que o grão de pólen grude e, portanto, que o fruto se desenvolva. “Quando a fecundação não é efetiva e diminuem os rendimentos, em muitas ocasiões não nos damos conta das razões. Acontece que as temperaturas mais altas ou uma seca são consequências mais sutis da mudança climática”, pontuou Rodríguez, diretor do Instituto de Pesquisas de Alimentos Tropicais (Inivit).
Nos últimos anos, os verões se prolongam e os invernos são mais curtos e pouco intensos nesta ilha tropical, segundo os cientistas. As temperaturas tendem a aumentar, o que obriga a traçar estratégias de adaptação para a agricultura. A temperatura pode subir entre 1,6 e 2,5 graus até o final deste século em Cuba, indicam vários estudos. E a redução nos rendimentos agrícolas seria um de seus efeitos graves.
Para Rafael González, camponês do município de Manicaragua, em Villa Clara, “ter de tudo um pouco” é o ideal para suportar mais graus nos termômetros, precipitações variáveis e ciclones tropicais mais intensos. “Se houver seca, temos alimentos (tubérculos e frutos ricos em carboidratos) e frutas que se adaptam melhor a essas condições e outras que resistem mais aos temporais. Nada melhor do que a variedade”, disse ao Terramérica Ignacio Pérez Rivas, agricultor da Cooperativa de Créditos e Serviços, onde trabalham 130 pessoas, sendo 30 mulheres.
Se plantar mandioca – tubérculo muito presente na mesa de muitos caribenhos –, em um inverno frio, ela também será afetada, disse González. “É preciso continuar buscando variedades com melhor adaptação”, ressaltou. A instituição dirigida por Rodríguez, na central província de Villa Clara, tem a estratégica tarefa de realizar essa busca, considerando calores intensos, secas severas, furacões e novas pragas.
O Inivit possui um banco de germoplasma (em forma de sementes, mudas ou tubérculos) com 650 variedades de batata-doce (Ipomoea batatas Lam), 512 de mandioca (Manihot esculenta Crantz), 327 de banana (Musa paradisiacae Musa sapientum), 120 de inhame (Dioscorea spp) e 152 de taro (Colocasia) e taioba (Xanthosoma). Esses recursos genéticos são “uma fortaleza do país” para enfrentar adversidades, destacou Rodríguez.
A mandioca e o plátano burro (um cultivar de banana) suportam a seca, enquanto o taro, a batata-doce, a abóbora e o inhame, mesmo que passe um furacão, produzem alimentos porque são de pequeno porte e resistem melhor aos ventos extremos, explicou o especialista. Mas é “preciso seguir buscando novos clones que tenham maior espectro de adaptação, variedades que produzam em condições ótimas do clima e também em condições desfavoráveis. Neste último caso, pode ser que o rendimento seja menor, mas amortizam o impacto adverso”, afirmou.
Para isso deve-se conjugar o estudo das variedades em correspondência com as condições climáticas, bem como suas capacidades de adaptação a determinado clima, aos diferentes tipos de solo, regimes de chuva e temperaturas mínimas e máximas, detalhou. A semente é crucial. “Se você tem uma semente de qualidade, o impacto da mudança climática é menos significativo. Sempre dizemos aos produtores que em uma boa semente não se gasta. É um investimento que depois se recupera”, enfatizou Rodríguez.
Mais de 70% dos tubérculos, raízes e bananas cultivados em Cuba são obtidos ou recomendados pelo Inivit. “Os outros 30% provêm da tradição camponesa. Há variedades locais que se adaptam muito bem a determinados solos e climas”, disse Rodríguez.
Em 2012, tudo parecia ir bem com a plantação de feijão de Rubén Torres, cujas terras ficam perto de Santa Clara, capital de Villa Clara. Contudo, pelo calor excessivo, a colheita rendeu menos que o esperado. Por outro lado, “o arroz precisa de altas temperaturas no momento de sua floração”, disse Torres ao Terramérica. Assim, ele está colhendo este grão indispensável na cozinha cubana, e a produtividade, de oito toneladas por hectare, lhe parece boa.
Rodrigo Morales vive em Mayabeque, província vizinha a Havana. Ele e outros camponeses com terras vizinhas notaram que os verões longos e quentes influenciam em seus cultivos de alho, cebola e feijão, e em frutas como a goiaba. Sob pressão destes fenômenos climáticos, a agricultura cubana está obrigada a aumentar sua produtividade para reduzir custosas importações de alimentos, que este ano chegam a US$ 2 bilhões, segundo estimou este mês o vice-presidente do Conselho de Ministros, Marino Murillo.
O governante considerou “preocupante” a agricultura representar apenas 3% do produto interno bruto, com um quadro de cerca de 960 mil trabalhadores, dos quais 300 mil não estão vinculados diretamente à produção. Sem considerar a cana-de-açúcar, a produção agrícola caiu 7,8% nos três primeiros meses deste ano em relação ao primeiro trimestre de 2012, segundo os últimos dados do Escritório Nacional de Estatísticas e Informação. Envolverde/Terramérica.
* A autora é correspondente da IPS.
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