por Oswaldo Braga de Souza, do ISA
Presidenta da Funai promete retirada completa de ocupantes não índios da Terra Indígena (TI) Apyterewa, no leste do Pará, para abril de 2014. Medida foi definida como condicionante de licença de hidrelétrica e deveria ter sido atendida em 2010.
A presidenta da Fundação Nacional do Índio (Funai), Maria Augusta Assirati, prometeu, na terça (17/9), que a retirada completa de ocupantes não índios da Terra Indígena (TI) Apyterewa, no leste do Pará, será feita em abril de 2014. Ela fez o anúncio durante reunião com 30 índios Parakanã e Juruna, em Brasília.
O encontro foi agendado depois que os índios bloquearam a entrada de um dos canteiros de obras da hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira (PA). O grupo composto por membros duas etnias chegou na madrugada de segunda-feira (16/9) e impediu a entrada dos trabalhadores. O acesso só foi liberado depois que a reunião foi confirmada.
As principais reivindicações dos índios são a desintrusão da TI Apyterewa, do povo Parakanã; a redefinição dos limites da TI Paquiçamba e a garantia de acesso da comunidade Juruna, moradora da área, ao reservatório da barragem. Todas as demandas são compensações pelos impactos da usina, definidas como condicionantes para sua licença ambiental. O governo federal é responsável pelas duas primeiras e a Norte Energia, empreendedora de Belo Monte, pela terceira. Todas deveriam ter sido atendidas ainda em 2010. Por isso, os indígenas fizeram o protesto.
Lideranças Parakanã afirmam que a desocupação dos não índios da TI Apyterewa está paralisada. De acordo com elas, a Funai não cumpriu outra promessa feita neste ano. “Em junho, os Parakanã foram a Brasília e a presidente da Funai prometeu fazer desintrusão até o fim de setembro”, conta a Temekwareyma Parakanã. “Por enquanto, vamos cobrar o cumprimento dessa [nova] promessa [de desocupação em abril]”, afirmou, depois da reunião.
Maria Augusta diz que o processo corre normalmente e está atrasado por causa de ações judiciais. “Tivemos várias intercorrências, inclusive com ações judiciais, que envolveram a atuação do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], com o reassentamento do público de reforma agrária que está dentro da área; ações judiciais contra o próprio procedimento”, justificou.
Segundo a assessoria da Funai, o órgão está finalizando a análise de cerca de 300 recursos administrativos relacionados à regularização da área. Isso também teria atrasado a desintrusão.
Ainda de acordo com os técnicos do órgão indigenista, a TI chegou a ter mais de 1,1 famílias de não indígenas, mas mais da metade já teria saído da área. Foram indenizadas 140 famílias por benfeitorias feitas de boa fé, ou seja, construídas sem o conhecimento da ocupação indígena. de acordo com as informações, restam 124 famílias na mesma situação. Maria Augusta informou que, em outubro, será instalada na região uma nova comissão para indenizá-las. A Funai já gastou R$ 3,8 milhões em indenizações e estima gastar em torno de R$ 3,7 milhões.
De acordo com a Constituição Federal, ocupantes não índios de TIs só podem ser indenizados por benfeitorias de boa fé, e eventuais títulos incidentes nessas áreas são considerados inválidos.
Das 1,1 mil famílias de não índios, 386 foram enquadradas como público da reforma agrária e têm direito a serem reassentadas em uma área já definida pelo Incra. De acordo com a Funai, os ocupantes que se negarem a sair até abril serão retirados pela polícia.
Além de Maria Augusta Assirati e dos índios, participaram da reunião o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a diretora de Relações Institucionais da Norte Energia, Clarice Coppeti, e representantes do Incra.
TI Paquiçamba
Quanto às demandas dos Juruna, a presidenta da Funai disse que o órgão deve terminar de analisar as contestações ao processo de redefinição da TI Paquiçamba em meados de outubro e, na sequência, vai enviar ao Ministério da Justiça para publicação da Portaria Declaratória.
O acertado na reunião é que será realizado um encontro entre representantes do governo e da Norte Energia, na semana que vem, e outra reunião, na segunda semana de outubro, já com a presença dos índios, na região, para que a empresa e o governo federal apresentem soluções para garantir o acesso dos índios ao reservatório.
Com a redução de até 80% da vazão do Rio Xingu depois da barragem, os Juruna perderão sua principal via de transporte até Altamira. Seu acesso fluvial à cidade está hoje limitado a um mecanismo de transposição de embarcações operado pela empresa (veja o mapa).
“Nós teremos o acesso ao reservatório”, disse Giliard Juruna, após a reunião. Ele estava com um documento assinado por representantes da Norte Energia comprometendo-se a estudar soluções para o problema.
A Norte Energia afirma que a ampliação da TI Paquiçamba não é de sua responsabilidade, mas da Funai. Na saída da reunião, Clarice Coppetti insistiu no argumento.
“Todos os estudos serão feitos, todas as análises serão levadas ao órgão licenciador, ao Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente]”, respondeu Coppetti, quando questionada sobre a possibilidade da compra da área que permitiria o acesso ao reservatório no caso dela não ser considerada de ocupação tradicional indígena. “Não há uma decisão [tomada] hoje, aqui. Neste momento, o que temos são estudos sendo realizados.”
Em 2012, a Norte Energia atendeu a reivindicação dos Juruna e construiu uma estrada, de cerca de 70 km, que liga a TI Paquiçamba à rodovia Transamazônica, como uma alternativa de acesso à Altamira e Vitória do Xingu, onde se concentra a oferta de serviços públicos, em especial o atendimento de saúde.
Como a via passa pela área que futuramente será o canal de derivação do Rio Xingu, os índios reivindicam da empresa a construção de uma ponte nesse ponto. Sem essa obra, a distância entre a TI e Altamira será mais que duplicada, dificultando e encarecendo ainda mais o transporte para as comunidades.
“É inacreditável que, em setembro de 2013, o governo federal e a Norte Energia digam que vão estudar possibilidades para cumprir uma condicionante que deveria ter sido atendida ainda em 2010”, critica a advogada Biviany Rojas, do ISA.
“Espanta a naturalidade com que é encarada a inadimplência do Poder Público e da empresa com relação ao cumprimento das condições estabelecidas no licenciamento para viabilizar a instalação da usina”.
* Esta notícia está associada ao Programa: Xingu.
** Publicado originalmente no site Instituto Socioambiental.
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