Devemos cultivar o mar e cuidar de seus animais usando os mares como fazendeiros e não como caçadores. Esta é a essência da civilização: o cultivo substituindo a caça. Jacques Yves Cousteau, oceanógrafo |
Apesar de serem consideradas como recursos ilimitados, espécies marinhas enfrentam declínios comparáveis ou maiores aos enfrentados por espécies terrestres. Nas últimas décadas houve uma aceleração do processo de perda de habitats e, por exemplo, cerca de 1/5 dos manguezais do mundo foram perdidos entre 1980 e 2005, especialmente para fazendas de camarão e ocupação urbana. Além disso, 57% dos recifes de coral foram perdidos ou encontram-se degradados, e 85% dos recifes de ostras, uma antiga característica de estuários temperados, foram extintos no mundo.
A destruição de habitats é resultado de um conjunto de forças: a exploração direta, como a de corais e ostras que formam recifes; de alterações nas condições ambientais, através do aumento de sedimentos trazidos por rios cujas margens foram desmatadas; e de técnicas de pesca destrutivas, tais como as redes de arrasto e o uso de explosivos.
Algumas espécies marinhas, que incluem vários moluscos, peixes como a donzela-das-Galápagos (Azurina eupalama) e o bodião-verde-de-Mauritius (Anampses viridis) e macroalgas (Gigartina australis eVanvoortsia bennettiana) provavelmente já foram extintas devido a alterações em suas pequenas áreas de ocorrência, especialmente devido à poluição, mudanças climáticas, dragagens e aumento na sedimentação.
Outras extinções parecem resultar de mudanças naturais no meio ambiente físico, o que foi sugerido para explicar o declínio do braquiópodo Bouchardia rosea no sudeste do Brasil, embora o impacto da pesca de arrasto sobre seu habitat deva ser considerado.
Pesca
Entretanto, é a pesca, ou melhor, a exploração direta de populações animais e vegetais o principal fator levando espécies marinhas à extinção.
São bem conhecidas as extinções totais de mamíferos marinhos como a vaca-marinha-de-steller (Hydrodamalis gigas), presente do Japão à Califórnia antes que humanos inventassem barcos e arpões, a foca-monge-do-Caribe (Monachus tropicalis) e a baleia-cinzenta-do-Atlântico (Eschrichtius robustus). Igualmente bem sabidas são as extinções locais e ecológicas de espécies antes comuns. Entre elas, o peixe-boi-marinho (Trichecus manatus), que ocorrida do Espírito Santo ao Amapá e dali em todo o Caribe e Golfo do México; e baleias, como a azul (Balaenoptera musculus). Para saber mais sobre o assunto recomendo An Unnatural History of the Sea, de Callum Roberts.
Menos conhecidas são as extinções de criaturas com menor carisma.
Através da história, a pesca tem funcionado em ciclos de boom-colapso, explorando “estoques pesqueiros” até que a atividade se tornasse anti-econômica e, depois, passando à espécie seguinte. No mundo há exemplos clássicos, entre eles o colapso das populações de bacalhau (Gadus morhua) no Atlântico Norte, onde se dizia ser possível caminhar sobre os peixes na água tal era sua abundância. Atuns-de-nadadeira-azul (Thunnus thynnus) já foram reduzidos em mais de 85% e caminham para sua extinção ecológica (e eventualmente econômica), enquanto preços cada vez mais elevados e subsídios governamentais dão impulso econômico a uma atividade biologicamente insustentável.
Situação no Brasil
"Infelizmente, no Brasil, as áreas protegidas na zona costeira ocupam apenas 1,5% de nossos mares, e mesmo este percentual inclui em sua maior parte restingas e manguezais"
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Um caso que deveria ser mais divulgado é o da população brasileira do budião ou peixe-papagaio (Scarus guacamaia), um gigante de 1,20 m e 20 kg, que talvez fosse uma espécie diferente da do Caribe, extinta por pescadores artesanais e caçadores submarinos que visam adultos e por impactos nos manguezais dos quais os juvenis dependem. Mesmo destino tiveram populações locais de vários peixes recifais ou “de toca” e lagostas capturados por pescadores e caçadores submarinos.
Entre os que mais sofreram declínios estão as caranhas e pargos (Lutjanus spp.), meros (Epinephelus itajara) e garoupas e badejos (Mycteroperca spp). Antes comuns em locais como as ilhas do litoral paulista, estas espécies foram eliminadas das áreas que não contam com proteção. Um dos fatores que contribui para o declínio de espécies como garoupas e badejos é o fato de serem hermafroditas protogínicos. Ou seja, os exemplares grandes são todos machos e sua remoção pela pesca afeta a estrutura populacional e o sucesso reprodutivo.
Invertebrados também têm sido localmente extintos, como o grande búzio (Strombus brasiliensis), que ocorria do Ceará ao Espírito Santo e é coletado pela sua carne, enquanto a concha é vendida como souvenir. Este comércio também eliminou populações locais de estrelas-do-mar de maior porte, enquanto o comércio para aquariofilia extinguiu populações da anêmona gigante (Condylactis gigantea) em locais como Búzios (RJ). A coleta para isca de pesca, por sua vez, eliminou poliquetos de grande porte, como o surreal Eunice Sebastiani de boa parte das áreas onde ocorriam.
A pesca de arrasto, que visa principalmente camarões, também destrói habitats, como as pradarias defanerógamas, e captura outras espécies que se tornaram praticamente extintas. Um exemplo clássico são as vieiras (Euvola ziczac) na costa sudeste do Brasil, ainda comuns na década de 1970, ou os cações-viola (Rhinobatos spp.) e várias estrelas-do-mar. Deve-se também enfatizar que a pesca com espinhéis pelágicos voltada a atuns, tubarões e peixes de bico é uma das principais causa do declínio de tartarugas-marinhas e albatrozes, além dos próprios tubarões.
Tubarões, peixes-serra (Pristis spp.) e raias-manta (Manta e Mobula spp.), que em geral apresentam baixa fertilidade e levam às vezes mais de 10 anos para atingir a maturidade sexual, constituem um dos grupos mais ameaçados, com extinções totais em grande parte de antigas áreas de ocorrência (exemplo, os peixes-serra no leste brasileiro) e declínios generalizados.
Por exemplo, descrito por Jacques Cousteau como o mais abundante no planeta, o tubarão-galha-branca-oceânico (Carcharhinus maou ou longimanus), teve declínio de mais de 90% no Atlântico Ocidental. Tubarões-de-galápagos (Carcharhinus galapagensis) eram tão comuns nos remotos Penedos de São Pedro e São Paulo na década de 1970 que dificultavam o desembarque e o mergulho. Esta população foi totalmente extinta por barcos espinheleiros que continuam atuando na região.
Endêmico do litoral orlado por manguezais sob influência da descarga do rio Amazonas, o cação-quati (Isogomphodon oxyrhynchus) sofreu um colapso populacional superior a 90% como resultado da captura em redes de espera e arrasto e está gravemente ameaçado de extinção. No litoral do Rio Grande do Sul, a pesca levou a reduções drásticas nas populações de cações-anjo (Squatina spp.), violas (Rhinobatos horkelii) e cações-listrados (Mustelus fasciatus), especialmente quando praticada nas áreas de reprodução. Hoje, esses animais estão ameaçados de extinção.
A pesca de arrasto continua a ocorrer nesta região, apesar de restrições legais, devido à falta de fiscalização no mar e o expediente dos barcos pesqueiros desembarcarem sua captura com auxílio de embarcações menores que evitam o controle dos terminais de pesca onde há fiscais.
Efeito Dominó
A forma mais eficiente de enfrentar a extinção de espécies marinhas é estabelecer áreas protegidas como zonas de exclusão de pesca, parques e reservas marinhas onde a pesca (mas não outras atividades) é proibida. Na verdade, sabe-se hoje que estas áreas podem aumentar a produtividade pesqueira de uma região por atuarem como uma fonte de recrutas que colonizam as áreas sujeitas à pesca.
Infelizmente, no Brasil, as áreas protegidas na zona costeira ocupam apenas 1,5% de nossos mares, e mesmo este percentual inclui em sua maior parte restingas e manguezais. Não há nenhuma unidade de conservação federal de proteção integral totalmente marinha. Somente 18% dos estuários estão em áreas protegidas e este índice cai para 0,2% quando se considera apenas as unidades de proteção integral.
No caso dos manguezais, o porcentual total de proteção chega a 75% se são consideradas as áreas de proteção ambiental (APAs), categoria de “proteção” que na verdade tem pouco valor na prática. O percentual cai para 13% se ao consideradas apenas as unidades de proteção integral. Deve-se notar que o Código Florestal considera manguezais áreas de preservação permanente, embora na prática esta disposição seja contornada por obras de “interesse social” como portos e instalações industriais.
Mesmo nas reservas existentes há problemas de gestão, como exemplificado pela Reserva Extrativista Marinha de Arraial do Cabo, onde a caça submarina é comum mesmo em áreas proibidas e a pesca industrial ainda ocorria com conivência dos “extrativistas”.
Regiões importantes continuam desprotegidas sem que haja esforço para sua proteção. Entre estas estão as áreas de reprodução de cações e violas no Rio Grande do Sul, os montes submarinos da cadeia Vitória-Trindade, o Arquipélago de São Pedro e São Paulo, estuários e ilhas costeiras no litoral sudeste, estuários no Maranhão e Pará e recifes na plataforma continental entre a Bahia e o Espírito Santo, além do entorno de ilhas. No último caso, há os exemplos da ilha de Queimada Grande e o arquipélago de Alcatrazes, onde uma proposta de parque nacional marinho aguarda há décadas para avançar.
Estas seriam áreas a considerar caso o Brasil deseje atingir os 12% de áreas marinhas protegidas que as Nações Unidas propõem como meta para 2020.
*Texto adaptado de Espécies e Ecossistemas, mais recente livro de Fabio Olmos
Autor deste blog, Fabio Olmos é biólogo e doutor em zoologia. Tem um pendor pela ornitologia e gosto pela relação entre ecologia, economia e antropologia. Seu último livro, sobre ecossistemas brasileiros e conservação, éEspécies e Ecossistemas. |
Fonte: http://www.oeco.org.br/olhar-naturalista/27449-o-triste-estado-dos-colapsos-e-extincoes-nos-oceanos
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