quinta-feira, 11 de abril de 2013

FAUNA BRASILEIRA NA LISTA “PET”: PROIBIR, REDUZIR OU AMPLIAR? EIS A QUESTÃO


Fomentando o debate sobre a Política Nacional de Fauna Silvestre e sobre a “lista PET”, o Blog publica agora, também com exclusividade, uma oportuna e fundamentada reflexão da Médica Veterinária Dora Palha, professora da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) e Conselheira Técnica da Organização Não Governamental RENCTAS (Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres). Dora Palha também coordena o PROJETO BIO-FAUNA, de cunho interdisciplinar e interinstitucional, que busca abordagens sistêmicas voltadas a uma ecologia social amazônica. O Bio-Fauna abrange pesquisa, ensino e prestação de serviços universitários sobre aspectos biológicos gerais e reprodutivos de vertebrados, conservação in-situ e ex-situ, etnozoologia e socioeconomia dos recursos faunísticos da Amazônia, além de educação ambiental. Todos os comentários são bem vindos. Boa leitura! Dener Giovanini!
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Como tema faunístico do momento, importante, palpitante, complexo e delicado, a lista “PET” estabelece uma importante dialética. Nesse debate, avolumam-se opiniões palpitantes apresentando-se e defendendo-se variados pontos de vista. O processo é salutar e deve ser incentivado nas diversas circunstâncias, tanto por meio de fóruns legalmente constituídos como em redes de discussão informais.
Neste artigo de opinião, ofereço algumas reflexões como contribuição ao tema. Sem dúvida, é interessante e enriquecedor conhecer os inúmeros pontos de vista apresentados, pois há opiniões de pessoas de distintas formações, ideologias e práticas, entre outras características. A meu ver, há que se considerar que as políticas necessitam ser estabelecidas por instituições fortes e por processos participativos e éticos. O problema, embora não sendo recente, permanece demandando reflexão e debate, a partir de fundamentação técnico-científica que considere conceitos, fatos e cenários, contemple a participação de especialistas e membros dos segmentos implicados/interessados nas políticas para a gestão da fauna. Por isso, não vejo como me ater a meramente expressar uma opinião sobre a concordância ou discordância acerca da produção em escala de espécimes da fauna como estimação (pet), pelos motivos a seguir:
1º) Por entender que há circunstâncias interferentes que necessitam análise, a partir de subsídios técnicos a serem melhor  conhecidos e discutidos, além do  que permanece a ser observado;
2º) O delineamento de políticas dessa natureza (e seus marcos regulatórios) para um país continental e assimétrico, como o Brasil, deve ser pautado em “projetos pilotos” (que considerem concomitantemente variáveis geográficas, biológicas, econômicas, etc), conduzidos por instituições sérias e isentas, sob a chancela da gestão pública, como balizadores dos sistemas e processos e, posteriormente, adaptados e ampliados em termos de amplitude geográfica e escala de plantéis/produção. O país ainda carece de ambos, pilotos representativos e instituições públicas fortalecidas e confiáveis;
3º) Pelos exemplos reais que vivenciei e vivencio, há duas décadas, seja diretamente, em criadouros de animais em escala comercial (domésticos ou não), seja indiretamente,  pela participação em inúmeros fóruns de discussão que envolvem proteção e bem-estar animal, o Brasil ainda contabiliza problemas gravíssimos. Indiscutivelmente, eles serão ampliados com a inserção de novas espécies (não-domésticas para fins de uso afetivo,  no caso em tela). Portanto, há ainda muito que debater em termos dos limites éticos na relação homem-animal, em especial os propósitos, espécies e os respectivos sistemas de produção, sob os princípios do bem-estar animal (BEA), da conservação da biodiversidade, do ambiente e sua ecologia e da relação custo-benefício desses sistemas. Quem realmente é ou será beneficiado? O produtor e/ou os demais integrantes do sistema de produção? A população, especialmente a local? Assistiremos ao modelo globalizado à custa de pesados ônus locais? Em paralelo, há que se avaliar a competência institucional para minimamente assegurar que não haja o agravamento das atuais mazelas. Este aspecto institucional é fruto de item posterior deste documento, para contribuir à reflexão sobre o porquê de termos chegado a esse status quo, com chances de agravamento futuro;
4º) O debate mundial sobre as relações humanos-animais é crescente, por suas implicações éticas e práticas para o ambiente e sua sustentabilidade, para a saúde e os sistemas de produção e de uso da terra. Nesses últimos, a produção animal em escala, relacionada às espécies domésticas (ou de laboratório) para uso eminentemente comercial, tem sido um dos principais alvos, pela gênese de graves “problemas-filhos”: ambientais (inclusive, sanitários), para o BEA e, enfim, para a qualidade de vida, em geral. Isso está implicando na crescente busca de alternativas aos sistemas de produção animal. Nesse sentido, um dos principais desafios é a inversão na lógica de produção do conhecimento e geração de tecnologias. Ao invés da lógica CAPITALISTA E GLOBALIZANTE de querer a qualquer custo ADAPTAR O AMBIENTE ÀS CULTURAS, adotar uma lógica COLETIVA E DE BASE LOCAL de se ADAPTAR AS CULTURAS AO AMBIENTE. Portanto, nesse contexto o aproveitamento da diversidade local é importante e necessário, desde que sejam considerados os limites da sustentabilidade dos sistemas e não o ilimitado, resultante da lógica de mercado do LUCRO pelo LUCRO. Nessa busca, há condicionantes que necessitam muita atenção e é fato que O BRASIL NÃO ESTÁ FAZENDO SEU DEVER DE CASA;
5º) Os sistemas de produção não estão estabelecidos, nem validados, com raríssimas exceções. Ressaltando-se que a validação deve considerar não somente os métodos/técnicas/tecnologias da produção em escala, mas cada ambiente/território e suas circunstâncias. Os vetores para a produção de animais como “pet” ou outros fins comerciais podem estar na contramão dos vetores conservacionistas. Estes necessitam de uma análise ecossistêmica, mais que a embasada em qualquer fator de mercado. Quem deve responder a esses desafios? Obviamente muito se espera das competências acadêmico-científicas nacionais, em especial, as Universidades e Institutos de Pesquisa, entre outros. Nesse âmbito, verifica-se que as indispensáveis contribuições da pós-graduação e da pesquisa científica geradas no país, particularmente pelas instituições públicas, tornam-se cada vez mais restritas. O sistema de avaliação atualmente vigente, que condiciona programas, áreas de concentração e linhas de pesquisas, premia as pesquisas “úteis”, rápidas e fáceis, ao invés das que podem efetivamente fundamentar políticas e programas que o país e a população demandam, bem mais lentas, porém mais transformadoras para que se assegure um ambiente mais saudável e uma melhor qualidade de vida;
6º) Mais importante que o resultado, é a confiança no processo. Podemos assegurar que um debate sério, participativo e transparente, pautado no rigor técnico e em conformidade aos preceitos éticos do BEA, da proteção do ambiente e de sua diversidade, dos interesses públicos e da soberania nacional?  No atual cenário brasileiro, em geral, as instituições públicas estão cada vez mais frágeis, porque os grupos ou partidos se sobrepõem aos da missão institucional e da coletividade em geral. Há, portanto, uma crise na gestão pública, refletindo numa credibilidade decrescente. Portanto, do que tem sido proposto e operacionalizado, em termos de política & gestão na temática da fauna silvestre ou mesmo ambiental, entre outras, pouco pode ser corroborado como o mais acertado, seja por fragilidades nas bases técnicas e científicas, seja por fragilidades dos processos decisórios e gerenciais.
Lidando com o dilema quanto a proibir, reduzir ou ampliar o uso de animais silvestres como estimação, penso que questões ainda ecoarão por muito tempo: Quantas e quais espécies? Em qual escala, ambiente(s), território(s)? Sob qual sistema? A que preço? Para quem? Há limites? São Éticos? Consideram-se princípios de BEA? Como aferir o BEA?
Enfim, à luz do que expus, mantenho-me cada vez mais cautelosa na emissão de qualquer opinião favorável à “flexibilização”, pelo governo brasileiro, da legislação atualmente em vigor, quanto aos aspectos restritivos às questões ambientais em geral e, particularmente, ao que tange espécies da fauna nativa, quanto à produção comercial, independente dos fins.
Maria das Dores Correia Palha, Médica Veterinária pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (1982), Mestre em Ciências Veterinárias (Clínica da Reprodução) pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (1992) e Doutora em Ciências Biológicas (Fisiologia e Farmacologia), pela Universidade Federal de Pernambuco (1999). Professora Adjunta da Universidade Federal Rural da Amazônia – UFRA, em Belém/Pará e Conselheira Técnica da RENCTAS.

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