O total da área das unidades de conservação de proteção integral, no Paraná, protege cerca de 500 mil hectares, ou seja, algo como 2,5% da sua extensão territorial. O desejável é ter pelo menos 10%. Sozinho, o Parque do Iguaçu representa mais de um terço das atuais áreas de proteção integral do estado.
Há que se esclarecer que a malfadada “Estrada do Colono” é um antigo caminho que foi precariamente transformado em estrada por volta de 1950 e que operou até os anos 1980. O então Instituto Brasileiro e Desenvolvimento Florestal (IBDF), responsável pelo Parque, sempre considerou que essa estrada era um risco grande demais e procurou por anos seu fechamento, pois, como sempre acontece, apesar de estar em um Parque Nacional, o seu uso facilitava a caça predatória, a extração ilegal de madeira e, em especial, a destruição dos palmitais. Além disso, a estrada interrompia a movimentação da fauna, diminuindo sua área territorial e aumentava o risco de incêndios florestais. Em 1986, o Ministério Público Federal obteve o fechamento da Estrada do Colono. Foi um enorme alívio para aqueles que queriam o Parque protegido na sua integridade.
Invasões
Em 2007, a sentença da juíza federal Pepita Durski Tramontini Mazini declarou a última invasão ilegal. Essa decisão seria, em teoria, o ponto final da polêmica que se arrastou por mais de 20 anos.
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A “Estrada do Colono” pode ser considerada como o primeiro trecho de 17,6 km da Rodovia PR-495, que une Serranópolis do Iguaçu, na divisa norte do Parque Nacional à localidade de Iguiporã, em Marechal Cândido Rondon. Sem ela, a distância rodoviária entre as cidades de Medianeira e Capanema aumenta de 58 km para mais de 170 km (utilizando-se as rodovias BR-277, PR-182 e PR-582). Por esse motivo e para propiciar alternativas de desenvolvimento à região de Capanema, o Governo do Paraná inaugurou, em 1994, a Ponte Internacional sobre o rio Santo Antônio, uma ligação rodoviária com a Argentina, que encurta significativamente a viagem. Não obstante, os habitantes da região continuaram reclamando a reabertura da estrada.
Em 2007, a sentença da juíza federal Pepita Durski Tramontini Mazini declarou a última invasão ilegal. Essa decisão seria, em teoria, o ponto final da polêmica que se arrastou por mais de 20 anos. Para inibir novas tentativas de ocupações, a juíza fixou uma “multa diária para cada município incentivador de uma eventual nova invasão da Estrada do Colono”.
O equívoco da estrada-parque
O Projeto de lei nº 7123, de 2010, doura a pílula ao propor a criação de uma “estrada-parque”, onde se enquadraria a Estrada do Colono e permitiria reabri-la.
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O Projeto de lei nº 7123, de 2010, doura a pílula ao propor a criação de uma “estrada-parque”, onde se enquadraria aEstrada do Colono e permitiria reabri-la. Como era de se esperar, pretende garantir sua conformidade com todas as medidas de proteção ao ambiente imagináveis, inclusive estudo de impacto ambiental, passagens especiais para animais, registro de veículos, limites de velocidade, etc. Indica até que a estrada seria de uso exclusivo diurno e para veículos de passeio e camionetes ou veículos turísticos. Insiste na importância da estrada para o turismo rural e muitos outros aspectos que são, corretamente, aplicáveis a “estradas-parque”. Na verdade, o deputado Assis do Couto fez um bom trabalho de revisão do que é ou deve ser uma estrada parque.
Ficção legal versus realidade
É evidente para quem não pretenda ser cego, que os agricultores dos arredores do Parque não querem a estrada para passear aos domingos. Eles querem a estrada para transportar seus produtos.
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De outra parte, o problema é que as estradas parques, por definição técnica e por simples lógica, não podem ser estabelecidas dentro de um parque nacional ou dentro de qualquer outra unidade de conservação. As estradas parque, onde existem, são uma categoria per se de unidade de conservação que demanda uma área de influência ao redor delas. Ao estabelecer uma estrada parque no meio do Parque Nacional do Iguaçu, automaticamente, este ficaria dividido em duas metades. A própria Constituição também proíbe em seu artigo 225 que se transforme parte ou a totalidade de uma Unidade de Conservação mais restrita em uma menos restrita, o que seria o caso em questão.
Nos parques dos países onde a lei é respeitada existem estradas asfaltadas para o acesso sem ocasionar grandes problemas ao ecossistema. Por elas podem circular os vizinhos, além dos visitantes. No entanto, ninguém abusa da velocidade, ninguém caça os animais nem coleta palmito ou entra na mata para tirar madeira nobre. Nelas não se estabelecem vendedores de refrigerantes e borracharias clandestinas, nem tampouco circulam caminhões carregados de soja ou de contrabando. Isso quer dizer que, nas condições atuais, fazer uma estrada dentro do Parque Nacional do Iguaçu seria um desastre para o Parque e para a única floresta preservada de tamanho razoável que ainda sobrevive no sul do país.
Pior ainda. É evidente para quem não pretenda ser cego, que os agricultores dos arredores do Parque não querem a estrada para passear aos domingos. Eles querem a estrada para transportar seus produtos. Isso significa que, construída a estrada, eles vão obter progressivamente o direito de usá-la do modo que lhes melhor convier.
Testemunhos na Comissão do Projeto de lei nº 7123
Em 1999, a UNESCO demoveu o Parque, inscrevendo-o na vergonhosa lista de Patrimônio em Perigo, em razão da reabertura da Estrada do Colono. Somente em 2001, com o fechamento definitivo da Estrada, o Parque foi retirado da lista.
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Na Comissão da Câmara dos deputados onde se discute o Projeto de Lei, muitas vozes foram ouvidas, tanto a favor como contra o estabelecimento dentro de um Parque Nacional de outra categoria de manejo que a legislação em vigor sequer prevê. Veja abaixo bons argumentos contrários à reabertura da Estrada do Colono.
André Alliana, especialista em gestão ambiental, representando a ADEAFI – Associação de Defesa e Educação Ambiental de Foz do Iguaçu, disse:
“Em 1986 a estrada foi fechada. Estudos realizados posteriormente mostraram a importância dessa área para a circulação da fauna. Estudos mais recentes mostram que, numa área natural, é necessário um mínimo de 2 km para amortizar o efeito externo. Aplicando-se este princípio, pode-se observar que o impacto de uma estrada de 18 km no Parque Nacional do Iguaçu acarreta na realidade uma perda de área protegida na ordem de 72 Km² (7.200 ha) o que representa cerca de 4% da área do parque. Ou seja, não se trata apenas de uma estrada e sim da perda de quase 5% do Parque Nacional do Iguaçu. Vale destacar que toda a área de uso turístico, frequentada por cerca de um milhão de pessoas por ano equivale a, aproximadamente, 5% da área total do parque. Ou seja, a Estrada do Colono, que atendia apenas a um pequeno grupo de pessoas, acarretava o mesmo grau de impacto de toda a área de visitação às cataratas.”
Rômulo Mello, à época presidente do ICMBio disse:
“É óbvio que não cabe construir essa estrada. Qualquer técnico perguntado sobre isso vai dizer que não. O parque é o segundo criado no Brasil, tem uma importância muito grande, protege 180 mil hectares de Mata Atlântica, um dos biomas mais ameaçados”
E continuou, ao destacar que o Parque Nacional de Iguaçu é uma referência internacional, um modelo de gestão que serve de parâmetro para todos os outros parques nacionais administrados pelo ICMBio.
“É tudo o que queremos fazer em outras unidades. Portanto, cabe a nós, gestores, garantir a integridade do parque”.
Rômulo chegou a admitir a possibilidade de a UNESCO retirar o título de Patrimônio Natural da Humanidade, concedido ao Iguaçu em 1986, caso essa integridade seja posta em risco. Em 1999, a UNESCO demoveu o Parque, inscrevendo-o na vergonhosa lista de Patrimônio em Perigo, em razão da reabertura da Estrada do Colono. Somente em 2001, com o fechamento definitivo da Estrada, o Parque foi retirado da lista.
O professor Alex Bager também se posicionou contra a construção da estrada-parque no Iguaçu. Para ele, os impactos de uma rodovia numa unidade de conservação não se limitam apenas a atropelamentos de animais, como normalmente se costuma mostrar:
“Estudos comprovam que o impacto se dá num raio de dois quilômetros a partir da margem da rodovia, tanto para um lado como para o outro. Além de afetar fauna e flora, a estrada influi na hidrologia, causa assoreamento dos rios, poluição por lixo e metais pesados, resultantes de acidentes, facilita a invasão de espécies exóticas, que surgem com os grãos caídos das cargas dos caminhões, e ainda incêndios, provocados por motoristas descuidados que soltam pontas de cigarro”
Depois de afirmar que atua há três décadas na área, Bager disse nunca ter visto no Brasil um exemplo de rodovia que melhorasse a gestão de unidades de conservação.
Mau exemplo da Rodovia BR471
Construída nos anos 1970, a BR471 corta 17 quilômetros da Estação Ecológica do Taim, no Rio Grande do Sul. O chefe da Estação, Henrique Horn Ilha, mostrou que só no último ano foram atropelados e mortos 743 animais, uma média de 2 por dia, sendo 69% de mamíferos, 19% de répteis e 12% de aves. Desses, 423 eram capivaras, mas havia também lontras e outras espécies ameaçadas de extinção, ou seja, uma perda irreparável para a biodiversidade. Além desses estragos, segundo Ilha, a estrada produz outros efeitos danosos ao meio ambiente, como a fragmentação dos banhados (ecossistema protegido pela reserva), perturbação e alteração dos habitats da fauna e flora, além de dar acesso a pescadores e caçadores ilegais, permitir o acúmulo de lixo e facilitar incêndios na vegetação.
O Parque Nacional do Iguaçu, proposto pelo nosso herói Alberto Santos Dumont em 1916 e estabelecido em 1939, sendo o segundo a ser criado no país, já sobreviveu a muitas ameaças. Que nos reste pelo menos o sonho ou a esperança que possa sobreviver a mais esta.
Fonte: http://www.oeco.org.br/maria-tereza-jorge-padua/27114-porque-a-estrada-do-colono-deve-continuar-para-sempre-fechada
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