segunda-feira, 20 de maio de 2013

Mercado de reserva legal abre oportunidade para proprietários



Vista do Parque Estadual do Jalapão, no Tocantins. Foto: Agência Rota da Iguana.
Rio de Janeiro – Na década de 70, com o afã para interiorizar o país, o governo brasileiro desenvolveu uma política para compra e posse de propriedades rurais a fim de colonizar as terras. Esse apelo atraiu o interesse de muitos brasileiros como o da família do paulista Sérgio Andrade, administrador de empresas de 32 anos, que na ocasião da compra, nem era nascido.

Mesmo sem o perfil de fazendeiro, o pai e o tio de Sérgio se aventuraram no sonho de ter um imóvel rural e adquiriram 1.100 hectares de um terreno no Jalapão, a 30 km do município de Ponte Alta, na entrada do parque estadual, hoje situado no estado de Tocantins.

Apesar do sonho de tornar sua propriedade produtiva, foi frustração o sentimento que acometeu a família de Sérgio pois, devido à falta de infraestrutura e até mesmo de estrada que levasse ao terreno, os Andrade nunca conseguiram empreender nada na terra. Eles muito menos conseguiram chegar ao seu próprio terreno.

O tempo passou e, aos 14 anos de idade, Sérgio resolveu se embrenhar no cerrado para tentar chegar à propriedade da família. Foi a única vez que conseguiu chegar perto da propriedade. Da terra da família, ele tem vagas lembranças de adolescente. Nem de 4x4 se chegava, apenas de moto, pois é preciso atravessar quilômetros de vegetação característica de cerrado.

Na sua segunda tentativa, aos 29 anos, Sérgio desistiu no meio do caminho ao descobrir que, desde o 2001, a propriedade estava encravada na Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins, – que conta com uma área de mais de 700 mil hectares e é uma reserva natural preservada para pesquisas científicas.

Terra intacta

“Fiquei mais frustrado, pois não poderia vender, a terra não havia sido desapropriada e nem poderia ser usada. Comecei então a pesquisar alternativas”
“A propriedade está intacta, a gente não conseguiu fazer nada, está improdutiva. A nossa família não tem histórico de fazenda, mas tínhamos uma ideia de fazer a fazenda acontecer. Descobri que a área era uma estação ecológica desde 2001 e lá tem muitas nascentes de rios e córregos. Pode ser que exista bastante água, mas não há nem inventário no terreno”, contou a ((o))eco, Sérgio Andrade.

O paulista passou a viver um impasse, pois já pensava em vender a propriedade, mesmo com a dificuldade de acesso. “Fiquei mais frustrado, pois não poderia vender, a terra não havia sido desapropriada e nem poderia ser usada. Comecei então a pesquisar alternativas”, destacou o administrador que se deparou com uma iniciativa de mercado de reserva legal de Unidades de Conservação (UCs) desenvolvido pela Bolsa Verde do Rio de Janeiro (BVRio).

Para Sérgio, até então, a única saída viável seria a desapropriação por parte do Estado com pagamento de indenização. “O processo é muito burocrático, exigem georreferenciamento da área para depois entrar com um pedido de desapropriação e nem sei quando receberia a indenização do Estado. Me deparei com um processo burocrático difícil”, afirmou.

Longa fila

O dilema de Sérgio é o de muitos brasileiros que têm suas terras situadas em áreas de preservação, tendo-as comprado antes mesmo de se tornarem UCs, e que esperam para ser desapropriadas pelo governo.

A fila de espera é longa. Cerca de 17 milhões de hectares de propriedades privadas em UCs federais ainda esperam pela desapropriação, segundo o Instituto Chico Mendes (ICMBio), responsável pela gestão das unidades de conservação federais. De um total de 75,1 milhões de hectares de UCs federais, 23% ainda são propriedades privadas, que não foram desapropriadas como previsto.

Das 312 UCs federais, 251 deveriam ser terras públicas em sua totalidade. As propriedades privadas que existiam antes da criação delas deveriam ter sido desapropriadas e indenizadas pelo governo.

Por falta de recursos, alguns parques antigos, como o Parque Nacional da Serra da Bocaina (situado nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo) e o Parque Nacional de Itatiaia, criados há mais de 70 anos, ainda têm fazendas produtivas e até mineração dentro de suas terras.

Mercado de compensação

Quem tem terras em UCs e não foi desapropriado e, muito menos, indenizado, pode ofertar o imóvel como se fosse num leilão
Uma alternativa para os proprietários em Unidades de Conservação é anunciar na plataforma de negociações da BVRio – a BVTrade – que reúne quase 900 participantes e mais de 800 mil hectares cadastrados.

A mais nova iniciativa lançada pela Bolsa de Valores ambientais é o mercado de compensação em Unidades de Conservação, no início de abril. Quem tem terras em UCs e não foi desapropriado e, muito menos, indenizado, pode ofertar o imóvel como se fosse num leilão. O comprador interessado é um proprietário que tem déficit de reserva legal em sua propriedade e, ao comprar, doa o terreno ao ICMBio para regularizar sua situação, contando esta propriedade comprada como Reserva Legal.

O processo parece complexo, mas quem explica a ((o)) eco é o diretor de operações da BVRio, Maurício Moura Costa.

Aprovado em 2012, o novo Código Florestal mantém a obrigação de o proprietário de terras tenha uma porcentagem de reserva legal preservada em sua propriedade. “A questão é: como cumprir a obrigação de ter uma reserva legal para quem já tinha a área aberta e já havia desmatado tudo?”, indagou Costa.

É possível compensar o excedente de reserva legal de uma propriedade que seja do mesmo bioma e Estado da propriedade que carece de reserva.

A primeira iniciativa lançada pela BVRio, no final de 2012, foram as Cotas de Reserva Ambiental que possibilita quem tem excesso de reserva legal ofertar para a compra de quem tem déficit. “O título representa uma cobertura (de reserva legal) em excesso que pode ser vendida para quem está devendo”, disse.

“O novo mecanismo é para as UCs que são criadas e o governo nem sempre tem dinheiro para pagar todas as indenizações. Criou-se assim um passivo grande. Há proprietários que estão na fila esperando a desapropriação”, enfatiza Costa.

Esse mecanismo já estava previsto na lei florestal, o próprio ICMBio já havia realizado duas tentativas “com resultados não muito satisfatórios” que levaram vários meses.

“Nós identificamos o interesse do ICMBio de acelerar o processo de regularização das UCs e facilitar as reservas legais. Assim fomentamos o mecanismo de compensação”, argumentou.

Driblar a morosidade
Para Costa, esta é uma forma de acelerar o processo e driblar a morosidade do Estado. “Auxiliamos no cadastro de interessados em vender e comprar para compensar. E ainda ajudamos ao órgão ICMBio no processo. Criamos uma plataforma que agiliza a parte burocrática do procedimento e também na parte negocial de compra e venda”.

Costa admite que ainda não é possível estimar em quanto tempo o processo todo poderá ocorrer, mas que será mais rápido, isso ele garante. “Temos uma plataforma eletrônica e os participantes podem se cadastrar online, o atendimento é feito à distância ou às vezes por telefone. Fazemos também sessões de treinamento. Estamos ainda iniciando o processo, mas sentimos que há interesse por parte das agências governamentais”.

São poucos os cadastrados, apenas sete proprietários que registraram o interesse de vender oito propriedades que somam cerca de 30 mil hectares. Desde a primeira iniciativa das cotas de reserva ambiental, em dezembro de 2012, já houve um crescimento exponencial na adesão. “As ofertas de venda já têm sido feitas e até já houve algumas propostas de compra dos cadastrados”, lembrou que espera dinamizar ainda mais esse mercado de compensação no segundo semestre.

O paulista Sérgio foi um dos primeiros a descobrir esta saída como viável e mais fácil para resolver o impasse de suas terras no Jalapão. “Há três semanas consegui cadastrar a propriedade nesse programa. A minha expectativa é vender a propriedade e que seja útil para quem comprar a fim de ser uma reserva legal. Essa é a forma mais fácil considerando que o Estado não tem estrutura. Minha família investiu ao comprar essa terra”, afirmou. Ciente que o processo pode demorar, o administrador espera já receber uma proposta de compra ainda neste ano.

Fonte: http://www.oeco.org.br/reportagens/27182-mercado-de-reserva-legal-abre-oportunidade-para-proprietario

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