27 de Maio de 2013
A obra durou três anos e meio e custou 1 bilhão de reais. A inauguração, em outubro de 2011, no aniversário da cidade de Manaus, teve a presença da presidente Dilma Rousseff. O resultado foi uma ponte que pela primeira vez unia as duas margens do Rio Negro, ligando Manaus aos municípios da margem direita do rio -- Iranduba, Manacapuru e Novo Airão -- que fazem parte da região metropolitana da capital do Amazonas. A obra trouxe grandes expectativas: facilitar o crescimento urbano, incrementar o turismo e ajudar o desenvolvimento econômico. Em teoria, o progresso havia chegado, era só percorrer os 3,5 quilômetros de extensão da ponte.
“Por enquanto, a única população que cresceu foi a de bandidos”, provoca Elivandro Araújo de Azevedo, comerciante de Iranduba.
Nos municípios vizinhos de Manacapuru e Novo Airão o problema é parecido: a violência mudou a rotina dos moradores. “Antigamente eu dormia com a casa aberta e agora tranco tudo, tenho vigia no meu restaurante e dois cachorros pra tomar conta”, afirma Arthur Marcos Araújo dos Santos, comerciante e agricultor. Em seu restaurante (Flutuante da Yara), localizado na Rodovia Manuel Urbano (AM-070), que liga Manaus a Manacapuru, o número de frequentadores não aumentou.
Em Novo Airão, que fica a aproximadamente 200 km de Manaus, um fato curioso ocorreu. O número de turistas aumentou, mas o seu tempo de permanência na cidade caiu. Afinal, se é mais rápido chegar, também é retornar à Manaus. No balanço, os comerciantes acham que a qualidade do turismo local piorou.
Na região, fica o Parque Nacional de Anavilhanas. Priscila Santos, chefe do parque, afirma que condicionantes previstas no licenciamento da ponte não foram cumpridas: “Entre as várias, destaco duas: a implementação de um posto de fiscalização no entroncamento das rodovias AM-070 e AM-352; e a construção de um sistema de saneamento básico para a cidade de Novo Airão”.
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Conflitos fundiários
A Região Metropolitana de Manaus foi decretada em 2007, e inclui 8 municípios ao redor da cidade, entre eles, os da margem direito do Rio Negro. A Ponte do Rio Negro busca integrá-los à malha da capital amazonense. Manaus cresce em um ritmo acelerado, com taxas de aumento populacional de 2,2% ao ano, quase o dobro da média nacional de 1,17%. E a sua região metropolitana acompanha. Entre 2000-2010, Iranduba cresceu 2,3% e Manacapuru 1,45% ao ano. A expectativa em Iranduba é que a população pule dos atuais 40.781 para 64.895 habitantes até 2030.
Para Philip Fearnside, pesquisador do INPA que estuda problemas na Amazônia desde 1974, “é evidente a ligação entre a abertura da ponte e o aumento do desmatamento e da especulação das terras no triângulo entre os rios Negro e Solimões”.
Elivandro Araújo Azevedo, que é assentado cadastrado no Terra Legal, afirma que, desde fevereiro de 2012 (quatro meses após abertura da ponte), sofre ações ilegais e ameaças de Ferreira. “[ele] desmatou e abriu estradas na minha área, na área preservada de APP (Área de Proteção Ambiental), onde nem eu poderia desmatar”. Outro colono, Celso Sobrera, teve suas terras invadidas e toda a sua plantação derrubada por tratores”. “Quando nós vamos até as nossas áreas ele nos ameaça”, disse.
No início do mês de março, Mario Jorge Rocha, outro assentado local, sofreu um atentado a bala e os três tiros no peito o deixaram por quase dois meses na UTI do hospital 28 de Agosto, em Manaus. Durante essa reportagem, no dia 9 de abril, ((o))eco presenciou José Ivo Ferreira discutir com Elivandro Azevedo e ameaçá-lo. Parte da discussão foi registrada no vídeo abaixo. O caso foi parar na delegacia com denúncias mútuas de ameaça e invasão de terras.
Luiz Antônio Souza, coordenador estadual do programa Terra Legal (SERFAL-MDA), afirma que as invasões aumentaram. “Temos recebido inúmeras reclamações de invasões de lotes desde os meses que antecederam a abertura da Ponte Rio Negro”, diz. “Manaus não tem áreas para sua expansão física. Assim, a ponte é, também, uma estratégia de promover o deslocamento dos investimentos em moradia para o município de Iranduba”. Ele considera que, em Manaus, a chamada conurbação (unificação da área urbana) é irreversível. “Agora, me preocupo com o modelo de ocupação. Temos duas opções: ou o poder público aponta direção e regula e fiscaliza, ou teremos processos de favelização de toda ordem, como já ocorreu em Manaus nos últimos 30 anos”.
Fearnside diz que é direta a relação entre a abertura de rodovias, o desmatamento e as invasões de terras públicas, seja de pequenos proprietários ou grandes grileiros. Assim ocorreu com as estradas AM-070 e AM-352, que ligam Manaus a Iranduba, Manacapuru e Novo Airão. A reabertura da BR-319 deve ter o mesmo efeito, acredita o pesquisador. No entanto, diz ele, a obra é popular porque as pessoas vislumbram o desenvolvimento econômico sem computar os custos socioambientais.
Olarias
A produção de tijolos é uma das principais atividades dos municípios de Iranduba e Manacapuru. Localizadas principalmente à beira da AM-070 e AM-352, as olarias da região atendem a 80% da demanda de tijolos do estado e empregam 2 mil pessoas. O problema é que a maior parte da matéria-prima desta atividade (argila e madeira para aquecer os fornos) é extraída ilegalmente nas margens das rodovias e em áreas de Unidades de Conservação, como a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Rio Negro, a Área de Proteção Ambiental da Margem Direita do Rio Negro e o Parque Nacional de Anavilhanas.
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A opção do ecoturismo
Jean-Daniel Vallotton é um suíço que mora em Novo Airão e lá, em 1997, criou a Fundação Almerinda Malaquias, que organiza os locais para produzir artesanato. Junto com Miguel Rocha da Silva, outro fundador da Almerinda Malaquias, Jean viu no reaproveitamento de sobras da construção naval (uma das principais atividades do município na época) a possibilidade de geração de renda na região. “A fundação é, hoje em dia, um centro de formação, que promove o uso racional e correto dos resíduos de madeira”, diz. O projeto também reduz a pressão de desmatamento sobre a floresta. Entretanto, o sucesso da iniciativa é isolado.
Hoje, ao contrário do que se praticava, os botos recebem um máximo de 2 quilos de peixe por dia. A alimentação é feita por funcionários treinados do flutuante e os visitantes só podem mergulhar na plataforma de 1,2 metro de profundidade. Segundo Priscila Santos, “a médio prazo, o plano é regular esse turismo através de concessões para a exploração privada. Mas é preciso rever o Plano de Manejo do parque e elaborar o estudo de viabilidade econômica do turismo com botos”.
O Parque Nacional de Anavilhanas se tornou uma das grandes atrações da Amazônia. Ele está dentro da Reserva da Biosfera da Amazônia Central, é Patrimônio Natural da Humanidade, candidato a Sítio Ramsar e recebe recursos do Programa de Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA). A sua infraestrutura operacional é boa. Tem três bases avançadas, sede administrativa, ancoradouro, alojamento e uma frota de embarcações suficiente para monitorá-lo. Tem tudo para se tornar um destino mundial de ecoturismo.
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Segundo Alexandre David Dantas, analista ambiental do Anavilhanas, “a estratégia para fomentar o turismo é divulgar, além dos botos, outros atrativos do parque”. E são muitos, tais como praias fluviais, sítios arqueológicos, ruínas de Velho Airão, trilhas e cachoeiras.
Hoje, a economia local depende de suas atividades tradicionais, agricultura e pecuária. A indústria também está chegando. A esperança é que o ecoturismo possa ser uma saída para balancear o desenvolvimento da região. Ao contrário de ajudar nesse objetivo, a Ponte do Rio Negro atrapalhou.
No filme sobre a Segunda Guerra “Uma ponte longe demais” (A bridge too far), de 1977, o tenente-general Frederick Browning diz ao marechal-de-campo Bernard Montgomery antes de uma operação: "Eu acho que podemos estar indo para uma ponte longe demais". Ao contrário, a Ponte Rio Negro trouxe os problemas urbanos para perto.
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*Contribuiram para esta matéria: Vandré Fonseca, Yara Camargo (FVA), Sergio Henrique Borges (FVA), Francisco Oliveira (SMA - Novo Airão), Cristina Tófoli (IPÊ), Paula Piccin (IPÊ) e Henrique Seixas Barros.
Fonte: http://www.oeco.org.br/reportagens/27208-uma-ponte-perto-demais
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