O mercado de carbono não tem sido capaz de reduzir emissões de gases estufa, principalmente com a eficiência que se esperava dele e na intensidade necessária. Mas teve o efeito de interromper o crescimento das emissões, principalmente na Europa. A sobreoferta de créditos a preços muito baixos desestimula investimentos em tecnologias de redução de emissões e em tecnologias limpas para substituir as tecnologias de alto carbono, cujo teor de emissões é irredutível em níveis significativos.
Análise da Bloomberg New Energy Finance, mostra que houve um pico de atividade nas transações de créditos de carbono no final de 2012. As operações do último trimestre representaram 36% do total do ano. O mercado vem crescendo em torno de 25% ao ano desde 2010. De acordo com a análise, essa aceleração da atividade do mercado se deve à maior volatilidade e especulação associadas às tentativas da Comissão Europeia em sustentar os preços, retirando cotas do mercado. A outra razão indicada pelos especialistas é o aumento dos leilões para distribuir as cotas – antes alocadas gratuitamente às empresas – que incentivou a entrada de intermediários (leia-se mercado financeiro) na compra e venda de contratos de distinta duração, para fazer conciliar a oferta à demanda.
O comércio de neutralizações de carbono no quadro do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo da ONU/Protocolo de Quioto, também aumentou extraordinariamente, em grande medida para tirar vantagem dos preços mais baixos já registrados pelo mercado.
Essa intensa movimentação derrubou o valor do mercado mundial de carbono, que caiu 36% em relação a 2011, para € 61 bilhões no final de 2012. É a primeira vez que o valor anual do mercado global de carbono cai. A razão foram preços “severamente deprimidos”: a tonelada média de carbono caiu para €5,7 no ano passado, contra €11.2 no ano anterior. A maior parcela desta queda se deve ao colapso dos pressões das neutralizações da ONU, calcula a Bloomberg New Energy Finance, por causa do volume recorde de liberações em países em desenvolvimento e no chamado “bloco do Leste” europeu. Milan Kundera escreveu anos atrás uma crítica severa e brilhante da inclusão de países como a sua República Checa, nesse “Leste”. As neutralizações da ONU em países em desenvolvimento caíram 85% e no “bloco do Leste”, 92%, entre outubro e o final de dezembro, com as liberações primárias atingindo volumes recorde.
Este ano, para complicar ainda mais o processo político em torno do mercado europeu de carbono, o maior e mais efetivo do mundo até o momento, entrarão em vigor uma série de mudanças estruturais decididas em 2008. Entre elas a mais importante, é o teto unificado das emissões de toda a União Europeia, que deverá baixar 1,74% ao ano, entre 2013 e 2020. O objetivo é uma redução total de 21% a partir das emissões emissões registrada em 2005. Até agora, os tetos eram decididos pelos respectivos países, observando a meta europeia de redução de emissões até 2020 (20%) como parâmetro de convergência. Os países estão se preparando para implementar essas mudanças a partir deste ano.
Outra medida de muita relevância é o aumento significativo dos leilões de cotas (as cotas eram distribuídas gratuitamente nas fases anteriores), de tal como que pelo menos 50% delas sejam leiloadas em 2o13. Na fase 2, por exemplo, apenas em torno de 3% das cotas foram leiloadas. A partir de 2o13, os leilões devem atingir 100% na maior parte da UE e no Reino Unido. As cotas gratuitas, até o limite determinado pelos benchmarks serão exceções. As novas regras também limitam o acesso a projetos internacionais de crédito de carbono a 50% das reduções requeridas dentro do sistema EU ETS, o mercado europeu de carbono. Medida controvertida, que está criando contencioso com Estados Unidos, Índia, China e Brasil, entre outros, é a inclusão da aviação no sistema de tetos e créditos, decidido no ano passado.
Toda a esperança de reversão do quadro de crise está posta nessas propostas para reforma estrutural do mercado de carbono e, obviamente, na recuperação da economia europeia. No curto prazo, para evitar o colapso dos preços, a Comissão Europeia decidiu adiar o leilão de novas cotas de emissões de carbono previstas para o período 2013-2015, até o período de 2019-2020. Estima-se que a sobra de cotas/créditos poderá chegar ao espantoso volume de 2 bilhões em 2013.
Embora se espere que esse acúmulo de cotas excedentes cesse a partir de 2014, com a recuperação da economia e aumento da demanda, é provável que essa sobreoferta estrutural permaneça ao longo de toda a chamada “fase 3” do mercado, de 2013 a 2020. Por isso a Comissão Europeia lançou um processo de consultas, aberto até 28 de fevereiro, sobre medidas adicionais de reforma estrutural do mercado. A Comissão listou seis medidas principais que considera poderiam recuperar o mercado em valor e credibilidade.
A primeira, que teria efeitos globais muito positivos, seria aumentar a meta de reduções de emissões até 2020 de 20% para 30% abaixo das emissões registradas em 1990. A segunda, prevê cancelar em definitivo um certo número de cotas da fase 3. No curto prazo elas apenas teriam seu leilão adiado. A terceira contempla a revisão da taxa de redução anual das cotas, de 1,74% ao ano, para acelerá-la. A quarta propõe incluir mais setores da economia no sistema europeu de créditos de carbono o EU-ETS. A quinta limitaria o acesso a créditos internacionais de carbono para além dos 50%, fechando mais o mercado europeu, que ficaria mais circunscrito aos créditos regionais. Finalmente, a sexta medida em discussão seria criar um mecanismo discricionário de controle de preços, como uma reserva para gestão do preço de carbono.
São medidas controvertidas e que terão que passar pelo complexo processo legislativo da União Europeia. Os analistas consideram que será muito difícil que essas decisões sejam tomadas ainda este ano. O mais provável é que só sejam aprovadas em 2014.
* Publicado originalmente no site Ecopolítica.